Na reta final da semana passada, e seguindo os caminhos de uma estratégia de segredo – que tão bons resultados recentemente nos deu com David Bowie – os Jáfumega (uma das mais interessantes das bandas da primeira geração pop/rock portuguesa dos oitentas) anunciaram o seu regresso para, e por enquanto é o que está marcado, dois concertos nos Coliseus do Porto e Lisboa, respetivamente a 24 e 31 de maio. Fale então com Luís Portugal, o vocalista do grupo. E aqui fica a transcrição dessa conversa, publicada na edição de 9 de fevereiro do DN com o título “Partimos com a mesma irreverência e vitalidade de há 30 anos”.
Foi uma verdadeira surpresa, o anúncio de uma renião dos Jáfumega. Porque só agora romperam o silêncio?
Foi uma ação articulada há já algum tempo e achámos por bem (nós e a produção) só a divulgar quando nos parecesse correto. Queríamos ter a certeza das datas. E é uma história que nos dá muito gosto fazer e para a qual partimos com a mesma vitalidade e irreverência de há 30 anos.
Há um mês David Bowie mostrou que ainda se pode guardar um segredo nesta idade da comunicação instantânea. Como asseguraram que o vosso segredo não fosse parar à Internet?
Sou fã do Bowie... Em relação ao nosso segredo não foi fácil. Mas por termos sempre uma certa independência – que até foi importante para a nossa saúde musical – se calhar tivemos a possibilidade de chegar a esta altura com um segredo. Tentámos não estar ligados de uma forma muito absorvente às redes sociais. Tentámo-nos essa independência, esse afastamento. E tentamo-nos meter nos tascos mais longínquos quando tínhamos de falar em conjunto.
Já houve várias ocasiões em que se falou de possíveis reuniões do grupo, mas nunca se concretizaram. O que tem 2013 que agora a faz ser possível?
Conseguimos reunir condições que não havia nas outras alturas. Sempre fomos muito defensores da qualidade que pretendemos para a nossa música e antes não tinham sido reunidas as condições para que tudo corresse a 200%, como sempre quisémos. Neste caso estamos com a Isabel Dantas, secundada por gente capaz... E depois dela ter feito a produção dos Ornatos, deu-nos essa garantia de qualidade. Tudo isso, juntamente com algum espaço entre nós. O Mário Barreiros, por exemplo, é um produtor muito querido. Precisávamos ainda de tempo para descansar um pouco, refletir naquilo que iríamos fazer e trabalhar em conjunto.
Os Jáfumega são uma das memórias mais ‘gourmet’ da pop portuguesa dos anos 80. A 30 anos de distância sente que eram, de facto, uma banda diferente?
Havia uma personalide e esse é um valor que sempre defendemos e hasteámos bem alto em todo o nosso trabalho discográfico e no palco. Há um naipe de canções intemporal que temos gosto em ter deixado como o nosso legado. E é bastante atual não só em termos musicais, de produção, como até em termos de palavras. São textos muito irreverentes, do Carlos Tê e do José Soares Martins, daí que sentimos a nossa “importância” no panorama do rock português e a nossa capacidade em podermos, em 2013, levar esses dados a todo o público.
Viajando no tempo, em 1981 editam um single chamado ‘Dá-me Lume’. Mas são surpreendidos quando é a canção do lado B, a ‘Ribeira’, que acaba transformada num fenómeno?
Fomos surpreendidos, tenho de o reconhecer. Somos uma banda do Porto, sempre ligados à nossa cidade e procurando mostrá-la. Possivelmente a editora, não sendo do Norte, achou que a Ribeira podia ser uma canção regional... Isso não aconteceu, apesar de ser um texto sobre uma zona do Porto. Mas muito rapidamente, talvez pela força das palavras do refrão [“a ponte é uma passagem para a outra margem”], talvez por musicalmente estar muito fora do que se fazia na altura, passou quase a ser um hit (ou um hino) nacional.
Os Jáfumega evocam memórias de juventude. Passaram 30 anos. E são homens diferentes...
Identificamo-nos musicalmente com o que foi feito e com as palavras. Houve uma longa viagem de 30 anos. As pessoas mudam, somos todos homens... Pode haver situações que tenham sido um pouco ultrapassadas no tempo. Mas o que vamos mostrar é a realidade dos anos 80 que, em parte, não foi muito alterada. Há situações que continuam com os mesmos problemas, que levantámos na altura. Estou-me a lembrar do texto do Assim Não, do Só Sai a Ti... Poderíamos alterar algo, tornar esses textos mais atuais. Pensámos nisso. Mas não queremos dar um desgosto à nossa legião de fãs e desejamos que em 2013 consigam reviver toda essa época. Por outro lado queremos chegar a uma nova geração pelo nosso lado musical, pela nossa vitalidade, que é diferente mas é grande. Com a mesma independência e a mesma irreverência que tivemos como banda e como pessoas.
O que vos afastou, por volta de 1985, está ultrapassado?
O que levou à nossa separação foi, em grande parte, a busca individual de outros caminhos musicais e outras áreas culturais onde a maioria de nós hoje está inserido. E talvez um desgaste de mercado. Tivemos algumas pressões editoriais no sentido de procurar caminhos mais comerciais que foram recusados por nós. Resolvemos parar, até para nós podermos crescer.
Ponderam gravar novas canções?
Não posso adiantar, mas está a ser pensado. Há essa possibilidade.
Vão gravar os concertos?
Sim, queremos gravar e fazer um DVD com o concerto.
Pensam esta reunião para além destes dois concertos?
Estamos a pensar de forma calma e madura... Mas unicamente nestes dois espectáculos. Mas nunca se sabe...