Os papas também pensam? Claro que sim. Por certo mais (e, assim o desejamos, melhor) que o comum dos mortais. Mas a questão é: em que pensa um papa? É essa questão que Nicolas Demorand relança no editorial do Libération, introduzindo o vasto dossier que o jornal francês dedica ao anúncio da demissão de Bento XVI.
"Nunca ninguém saberá se Bento XVI cedeu à fadiga física ou metafísica", escreve Demorand. E nesse mistério interrogamo-nos sobre a própria dualidade — corpo/alma — que qualquer papa tem por missão administrar e, mais do que isso, equilibrar na sua função entre os homens. Terá sido o corpo a reconhecer a falta da "energia necessária para a tarefa"? Ou a alma "dilacerada pela secularização inelutável do mundo"? Sem dúvida por isso, o Libération recorre à imagem mais emblemática da figura papal — o portador das sandálias do pescador —, de algum modo reforçada pela convocação ancestral do latim, para apresentar um evento simbólico e afectivo, numa palavra, político, que não pode deixar de tocar crentes e não crentes, curiosos ou indiferentes. A saber: a partilha, com os seus semelhantes, de uma muito humana falibilidade.