quinta-feira, janeiro 17, 2013

O corpo e o sexo segundo Oshima

Capa da edição Criterion de O Império dos Sentidos
Com a morte de Nagisa Oshima, desaparece um dos mais radicais retratistas dos enigmas do corpo, da evidência do sexo — este texto foi publicado no Diário de Notícias (16 Janeiro), com o título 'Histórias do corpo e do sexo'.

Há um preconceito antigo que obriga a dizer que, apesar de O Império dos Sentidos (1976), Nagisa Oshima é um grande cineasta. Neste momento de luto, importa repetir que não é “apesar desse filme”, mas também através dele, que Oshima fica como um dos autores maiores da segunda metade do século XX. No caso português, as memórias caricatas do debate (?) que o filme provocou só agravam a situação, desde logo pela recusa de enfrentar o seu núcleo temático, transversal a toda a obra de Oshima. A saber: a cumplicidade visceral entre amor e morte.
Afinal de contas, ainda antes do 25 de Abril, Portugal foi um dos primeiros países europeus a poder ver alguns dos filmes da primeira fase de Oshima, incluindo O Enforcamento (1968), O Menino (1969) e Cerimónia Solene (1971), todos eles directa ou indirectamente marcados pelas memórias traumáticas da Segunda Guerra Mundial. Não que, alguma vez, Oshima tenha sido um cineasta banalmente “histórico”. Não era esse o espírito da “nova vaga” japonesa que ele também simbolizou. Desde o emblemático Contos Cruéis da Juventude (1960), a sua visão decorre, justamente, da necessidade de discutir as categorias históricas herdadas das gerações anteriores, a começar pelos métodos de “reconstituição”, num processo em que as singularidades dos corpos se revelam decisivas.
Num certo sentido, até ao derradeiro filme (Tabu, 1999), Oshima filma a impossível coincidência entre a identidade história do indivíduo e as razões do seu corpo. Mais do que isso: entre o imaginário do corpo e a crueza do sexo, Oshima descobre as fissuras por onde se insinua a certeza silenciosa da morte. Faz medo, claro. E, ontem como hoje, merece mais, muito mais, do que algumas polémicas de trazer por casa.