Esta é uma fotografia de Mark O'Brien, escritor que, devido aos efeitos da poliomielite, viveu grande parte da sua existência dependente de um "pulmão de aço"; a imagem provém do filme Breathing Lessons: The Life and Work of Mark O'Brien, de Jessica Yu, distinguido nos Oscars de 1997 com a estatueta de melhor documentário (curta-metragem). Agora, o cinema revisita a figura de O'Brien no filme Seis Sessões, de Ben Lewin — este texto foi publicado no Diário de Notícias (20 Janeiro), com o título 'Nudez, sexo e o cinema de Hollywood'.
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Infelizmente, algumas formas de aproximação jornalística da temporada dos prémios da Academia de Hollywood vivem de monótonos lugares-comuns. Já não há paciência, por exemplo, para ouvir dizer que os Globos de Ouro “antecipam” os Oscars... Desde logo porque a simples consulta dos resultados das últimas décadas desmente a existência de qualquer repetição “automática” (por que não atribuir pertinência às coincidências das escolhas da Academia com as de algumas associações de críticos americanos?); mas sobretudo porque a diferença entre quem decide os Globos (menos de uma centena de elementos da imprensa estrangeira em Hollywood) e os Oscars (cerca de seis mil profissionais da indústria) aconselharia, no mínimo, a não procurar equivalências estruturais onde elas não podem existir.
Neste turbilhão de factos e notícias, um filme como Seis Sessões (Sessions), de Ben Lewin, que trouxe a Helen Hunt uma nomeação para o Oscar de melhor actriz secundária, distingue-se por uma singularidade que corre o risco de ser ignorada. Que singularidade é essa? Pois bem, a paciente e muito terna figuração da nudez dos protagonistas e de alguns actos sexuais.
A questão não tem nada de caricato, muito menos de “escandaloso”. Acontece que vivemos num universo mediático em que alguns centímetros de nudez de um qualquer “famoso” numa qualquer telenovela são suficientes para mobilizar este mundo e o outro para a “ousadia” do evento... Mas quando, realmente, alguém arrisca encenar a complexidade dos afectos humanos (e, em particular, os enigmas da sexualidade), aí os arautos da nudez “reveladora” desaparecem de cena e ficam enroscados na mediocridade vazia do seu discurso.
Não é fácil, claro. Até porque há uma dimensão inesperada, tão delicada quanto perturbante, a envolver a história (verídica) de Seis Sessões: nele se apresenta a relação entre o jornalista e poeta Mark O’Brien (1949-1999), imobilizado pela poliomielite, e Cheryl Cohen-Greene, uma terapeuta do sexo a que ele recorre para perder a virgindade. O que distingue um filme tão directamente envolvido com os gestos sexuais não é a “quantidade” daquilo que se mostra, mas o modo como nele se lida com os enigmas, impasses e cumplicidades do contrato que se estabelece entre dois corpos que se tocam e relacionam.
Claro que, se for entendida numa perspectiva burocrática ou moralista, a palavra “contrato” poderá chocar. Mas o que está em jogo envolve, de facto, um compromisso singular: os seus termos nascem do contacto de duas pessoas que se sabem diferentes, impossíveis de conhecer em absoluto – e o que acontece participa de um misto de entrega e distanciamento, exposição e pudor. É uma maravilha ver dois grandes actores, Helen Hunt e John Hawkes, figurar essa tarefa imensa, imensamente contrastada, porventura contraditória, de sermos humanos. E acreditar que podemos sê-lo.