quarta-feira, janeiro 23, 2013

Em conversa: Moullinex (parte 2)

Esta é a segunda parte da versão integral de uma entrevista com Luis Clara Gomes, do projeto Moullinex, que foi publicada em Dezembro no DN.

A Discotexas é uma plataforma que nasce aqui mas tem já uma dimensão europeia. Como nasce a editora? Moullinex é um dos seus pilares?
A editora é (ainda) uma brincadeira de amigos que nasceu quase inconscientemente. Pelo caminho já foi uma ideia, uma festa, um colectivo, uma promotora… Dado que estou envolvido no projecto desde a génese e nestes anos já fiz de tudo, desde A&R a colar cartazes, design de capas ou mastering de temas, não consigo imaginar-me sem ela, mas também sem nenhum de nós. Deixa-nos muito felizes fazer isto desta forma tão ingénua e apaixonada e ver que isso desperta interesse por aí - talvez por isso, e talvez isso se note na música que pomos cá fora...

Flora junta singles e apresenta temas novos. Cruzamos ecos de outros tempos, mas aqui não há nunca uma ideia de nostalgia.
Mais do que nostalgia, diria que há um respeito pelo que há a aprender no passado. Alguns temas são homenagens quase declaradas a artistas que admiro.

Porque é ainda hoje o ‘disco’ um espaço tão contagiante?
Acho que há algo de extremamente poderoso na combinação canção e música de dança. Ser tão contagiante fez com que fosse proibido falar de disco durante anos: arranjos complexos convivem com técnicas de estúdio aventureiras, instrumentais épicos casados com letras simples e repetidas. Música com várias camadas de percepção, feita para as minorias mas que a maioria adopta como sua também. Naturalmente, esta fórmula funciona.

Peaches é uma das presenças maiores no disco. Resultado de uma admiração maior?
Sem dúvida, admiro a Peaches por se manter tão relevante, nunca se repetindo, há já tanto tempo. Acho que o Maniac foi um desafio para ela também, e superou-o bem.

Como surgiu a ideia de revisitar Maniac, de Michael Sembello (da banda sonora de Flashdance) que ouvimos em nova versão em Flora? Era coisa pouco gourmet na altura... O tempo muda a forma como nos relacionamos com as canções?
Claro… Sou novo demais para me lembrar do que o Maniac significou quando saiu o Flashdance, por isso herdo dele uma nostalgia por um passado que nunca tive na verdade. Mas não creio que seja minimamente gourmet agora! Simplesmente escolhi-o porque a acho uma canção incrível - a Casablanca Records convidou vários artistas da Gomma a revisitar qualquer tema do seu catálogo, e este foi o que escolhi, entre Donna Summer, Kiss, Parliament/Funkadelic ou Giorgio Moroder - gente que admiro bem mais que o Michael Sembello - se calhar não toquei em nenhuma outras por respeito…

Depois de uma etapa em Munique e, de regresso a Lisboa, o que veio na bagagem dessa vivência na Alemanha? E o que explica um regresso numa altura em que ouvimos tantas histórias de gente a saír?
Em Munique encontrei-me rodeado de pessoas que conseguiam fazer aquilo que amavam e viver disso, e isso levou-me a tentar também. Acho que quando estás num ambiente que promove o teu potencial humano, seja artístico, humanístico, científico, ou qualquer outro, esse potencial é posto a trabalhar. Basta olhar para as as democracias de estado social escandinavas e contar o número de bandas por metro quadrado. Estará esta gente a viver acima das suas possibilidades? Por aqui o potencial não é menor que em qualquer outro lado, mas a fome existe. Assusta-me que tanta gente valiosíssima para reconstruir isto esteja a pirar-se - mas em algum momento os censuro, os motivos são mais que válidos. Adorei viver em Munique, mas gosto bem mais de Portugal. Regressei há três anos, e na altura, apesar de haver alguns indícios, a situação não estava como agora. O que tem a nossa classe política de diferente dos seus pares europeus? A nossa consegue ser ainda pior.