Esta é a primeira parte da versão integral de uma entrevista com Luis Clara Gomes, do projeto Moullinex, que foi publicada em Dezembro no DN.
Em primeiro lugar um pouco de informação biográfica. Quem é o Luís Clara Gomes?
Nasci e cresci em Viseu. Vivi cinco anos em Aveiro onde estudei, 4 anos em Munique para onde fui fazer investigação na área da Neurologia e mais tarde Astronomia, as quais deixei - por agora - de lado para fazer música. O crescimento e descoberta musicais foram bastante orgânicos. Vi muitos concertos, ensaios, peças de teatro com os meus pais, e ouvia-se e tocava-se muita música em casa. Muita coisa diferente… Chico Buarque, Zeca Afonso, Morricone, Pink Floyd.. Mais tarde o rock, que foi contagiado muito cedo pela electrónica mental de Aphex Twin, Squarepusher, etc.. Tudo ficou de alguma forma ligado na altura em que vi alguns concertos específicos: Air, Goldfrapp, LCD Soundsystem - quase todos muito próximos no tempo… A partir daí começo a "escavar" para trás e descubro o Soul, Funk e Disco onde toda esta gente vai beber tanto. Acho que nesse momento uni todas estas pontas e apercebi-me que o que eu queria fazer estar no maior número de lugares em simultâneo, no que à minha música diz respeito.
Porque não há “tradição” de um espaço de relacionamento da canção com a música de dança entre nós?
Acho que vou mais longe e dizer que não há a tradição, entre nós, de um lado do muro tentar compreender o outro. Não faz algum sentido que num meio tão pequeno como o nosso que os mini-undergrounds da música de dança, rock independente, hip-hop ou electrónica "experimental", não se tenham cruzado quase nunca. Há algumas excepções, mas não acho que forçar versões electrónicas de madredeus seja uma delas... Finalmente as coisas estão a mudar e as diferenças estão mais diluídas, seja em discos, editoras ou clubes.
Como convivem o músico, o produtor e o DJ numa mesma carreira?
Precisam uns dos outros, numa relação de amor-ódio! O Músico e o Produtor odeiam o DJ porque lhes rouba os dias e noites, preciosos para trabalhar. O DJ exige ao Músico coisas mais simples para que sejam passáveis na pista, e traz feedback de como as coisas soaram nos clubes ao Produtor. Neste drama kafkiano quem dorme menos sou eu.
Moullinex?... Lembra logo coisa de eletrodomésticos... De onde vem o nome? E traduz uma alma bem humorada?
Claro. Não sei se isso está presente na música, mas acho que menos gente me leva a sério por causa do nome...
Primeiro surgiram alguns singles... Um pouco como curtas-metragens, antes de avançar para uma longa?
De alguma forma, sim. Os EPs fazem a melhor ponte entre os mundos dos máxis ou dos LPs… Podes contar uma história mas continuam a suportar temas mais longos e, por isso, mais dançáveis. Ajudam a mostrar o teu nome enquanto vais preparando o álbum. Ao contrário de muita gente não me fechei no estúdio só a fazer o álbum, preferindo faze-lo ao mesmo tempo que remisturava outros projectos, tocava ao vivo ou fazia DJ sets... Tudo isso ajudou-me a ter uma ideia mais clara do que queria fazer no Flora.
Como surgiram as remisturas que foram surgindo sob o nome Moullinex?
A forma como as coisas se desenrolaram foi uma quase total surpresa, na verdade. Disponibilizei os meus originais online, no MySpace, os blogs escreviam interessados em publicá-los e comecei a receber convites oficiais para remisturas de nomes que admiro: Cut Copy, Sebastien Tellier, Two Door Cinema Club, Who Made Who.... Quando dei conta estava a tocar mais como DJ, e fiquei surpreendido por estar a ter uma resposta tão positiva à música que fazia…