quarta-feira, dezembro 19, 2012

Novas edições:
Vários Artistas, Discotexas Picnic I


Vários artistas 
“Discotexas Picnic I”
Discotexas
4 / 5

O panorama editorial independente português mostra hoje uma vitalidade que parece inversamente proporcional ao modo como, nos últimos 12 anos, a indústria tem vindo a encolher, atingindo valores de negócio de ano para ano cada vez menos expressivos. Entre uma Amor Fúria, Enchufada, Flor Caveira, Clean Feed e outras mais recuperou-se um sentido de agitação que o panorama nacional já conhecera nos dias de glória da Ama Romanta, Fundação Atlântica, Dansa do Som ou Área Total nos oitentas e que, salvo pontuais operadores como a Kaos Records ou NorteSul, esmoreceu depois nos noventas... Faltava contudo ao mapa editorial português um espaço mais atento a novos espaços na música de dança, capaz não só de servir a pista, os DJs e quem a eles pede som, mas também um não menos importante território de diálogo entre estes mesmos domínios e a canção. Lembra a história que, foi ao encontrar Moroder e Donna Summer que o disco foi mais longe, foi ao juntar as visões de Bobby Orlando a uns New Order que o hi-nrg alcançou outros horizontes, foi ao visitar modelos de construção pop, via Inner City, que o techno viajou de Detroit para o mundo, foi ao dar forma de canção aos bleeps dos Roland 303 pelos Acid Mob, Yazz ou A Guy Called Cerald que o acid house transcendeu o espaço das noites dançáveis. Apesar de algumas pontuais experiências no passado, uma certa falta de “tradição” neste patamar de diálogos sempre morou entre nós. Com já algum tempo de vida, uma alma nascida em clima disco house, mas entretanto tendo alargado os seus espaços de ação aos terrenos do nu-disco, o eletro pop, a house, a Discotexas é talvez a mais vibrante aventura editorial nascida entre nós nos últimos tempos. E leva, pelo gosto em trabalhar além da pista de dança o já referido plano de contacto com a canção, os seus horizontes para lá do que a (pioneira, muito marcante e internacionalmente consequente) Kaos nos mostrou nos noventas. A Discotexas mora por aqui, mas não fecha a fronteira em Vilar Formoso, Caminha ou Vila Real de Sto António. Expressão de uma maneira de trabalhar do nosso tempo e de um saber estar na cultura global do século XXI, alargou já o seu catálogo a nomes que provém de espaços tão distintos quanto uma Austrália, EUA, França, Polónia, Alemanha ou Bélica. Além, claro está, de uma importante linha da frente made in por estes lados, onde encontramos o trabalho de nomes como Moullinex, Xinobi, Mirror People, Da Chick e Lazydisco. Entre alguma diversidade (geográfica e nos espaços de afirmação de referencias como as que acima citei) a editora consegue contudo encontrar um patamar de identidade consideravelmente seguro e coeso. Patamar esse que tem vindo a afirmar nas polinizações cruzadas de colaborações e remisturas, em festas que começam a ter expressão maior e, agora, uma colectânea que desenha um rosto comum a um catálogo em franco crescimento e afirmação. Da soberba canção pop que abre o alinhamento na voz de Rebeka ao viciante encontro de A.N.D.Y. e Vicente em El Barrio, das vibrantes remisturas de Moullinex a Cairo de Kamp! ou de Xinobi para Slave To Your Heart de Zimmer feat. Jeremy Glenn, o Picnic I que a Discotexas oferece é rico em cores, sabores e de boa digestão. Se o “I” que se junta ao título indicia a ideia de uma série a conhecer futuros volumes, fica a certeza de que, para já nasce bem. Conseguirá alcançar a dinâmica e consequência que recordamos em casos como os das séries Pay It All Back da On-U Sound, Tottaly Wired da Acid Jazz Records ou Rebirth of Cool da 4th & Broadway (peças de um outro tempo, é verdade, criadas antes das estratégias de globalização instantânea que a cultura online imprime ao que acontece no presente)? Para já, é certo, começa muito bem!

PS. É certo que não podemos reduzir a Discotexas a coisa portuguesa. Pelos passaportes dos nomes já envolvidos, pela expressão geográfica da distribuição e sentido cultural mais lato que esta música traduz, esta é uma editora europeia com visão atual e sentido de oportunidade. Mas nasceu e vive por cá. E por cá nunca tínhamos visto nada assim.