segunda-feira, dezembro 17, 2012

Gentlemen take polaroids

David Fonseca editou este ano dois discos e, mais recentemente, um primeiro livro de fotografias, a que deu o título ‘Right Here Right Now’. Esta é a versão integral de uma entrevista que serviu de base a um artigo originalmente publicado no DN.

Na era da fotografia digital qual é o fascínio que podemos encontrar na Polaroid?
Há uma ideia de exclusividade em cada fotografia que se tira, não é repetível nem reproduzível em massa. Existe em papel e não num ecrã, pode ser tocada, escrita e dobrada. Em cada imagem reproduzida numa polaroid, não é apenas a memória desse momento que persiste mas também o próprio objecto que viveu em cada local, tornando-se parte da sua história.

As imagens foram nascendo já com um objetivo em mente ou do conjunto nasceu a ideia de as reunir?
Quando comecei a fazer as imagens não tinha um fito específico, fotografei livremente durante esses dez anos tudo o que me rodeava. Só quando olhei para todo o conjunto é que comecei a perceber os pontos de contacto e as constantes obsessões, partindo daí a ideia de reuni-las num livro.

O que sentes que o teu olhar procura?
A minha maior motivação para captar imagens nasce de um fascínio constante pelos momentos mais invisíveis, pelos detalhes de cada momento. Acho que, acima de tudo, procuro no mundo as imagens que possam contar a minha história interior, uma narrativa pessoal definida num espaço mais abstracto e indizível.

Associas sons a estas imagens?
Curiosamente, não. Salvo algumas excepções, a grande parte destas imagens são tiradas em momentos de silêncio absoluto, como se o mundo parasse para que eu pudesse tirar estes apontamentos.

Há algumas auto-representações no livro. O que vês nos teus auto-retratos?
A maior parte das vezes que recorro ao auto-retrato, tento que seja uma representação da sensação de estar ali, naquele local. Grande parte deles foram feitos em hotéis um pouco por todo o lado, a meio de insónias e ouvidos ainda a zunir do som dos palcos. Há uma sensação de isolamento ainda maior quando esses momentos vivem em contraste com a intensidade da vida na estrada, sistematicamente documentada pelo público e explorada com uma dinâmica de bastidores pelos próprios artistas. Este lado final das coisas, depois de todas as luzes serem apagadas, raramente se via e atraiu-me a ideia de fotografá-las.

Muitas destas fotos nasceram certamente em períodos de estrada. O que faz o músico para evitar a rotina de palco/hotel/volante?
Sim, grande parte delas são tiradas durante as digressões. Percorrer a estrada com um espetáculo é normalmente entendido como uma festa constante, mas é mais rotineira do que se possa imaginar, cheia de horários e funcionamento em equipa. Não sei o que fazem outros músicos, mas eu tento explorar os tempos mortos ao máximo em cada sítio onde passo, especialmente em áreas que não estejam diretamente relacionadas com o que já faço todos os dias. Andar de bicicleta com uma máquina fotográfica ao ombro ou visitar lojas de vinil são duas das coisas que mais gosto de fazer. E ler, claro.

Tens fotógrafos com obra em polaroid que admires? Ou realizadores? Estava a pensar num Tarkovsky, por exemplo...
O livro de polaroids do Tarkovsky é um dos melhores exemplos deste meio, usando as imagens de uma forma menos documental e elevando-as a uma carga mais poética. Mas há ainda o trabalho do Andy Warhol, Guy Bourdin, Jason Fulford, Mike Slack, entre outros.

Sentes que a música absorveu um espaço e um tempo que te têm impedido mais trabalho com a imagem? Afinal o teu curso de cinema levar-te-ia mais nesse sentido...
É natural que assim seja, são duas atividades no campo criativo que necessitam de tempo e experimentação, uma está sempre a roubar espaço à outra. No entanto, nunca deixei de fotografar. Tenho inúmeros projetos em desenvolvimento e a minha entrega à música nunca me privou de prosseguir o meu trabalho pessoal na área da imagem. Na calha estão mais livros e ideias a pôr em prática, é provável que o meu lado de fotógrafo queira ver a luz do dia mais vezes no futuro próximo.

PS. O título o post alude a uma canção de 1980 dos Japan. Podem ver aqui o teledisco que então a acompanhou.