segunda-feira, novembro 19, 2012

Tele-Merkel

GERHARD RICHTER
Vela
1982
A passagem de Angela Merkel por Portugal foi acompanhada por uma peculiar histeria televisiva. Sinais dos tempos e de uma televisão que não (se) pensa — este texto foi publicado no Diário de Notícias (16 Novembro), com o título 'A terceira Guerra Mundial'.

Porque é que, no terreno, em directo, alguns repórteres televisivos empolam o facto de Angela Merkel ser recebida com um evidente aparato de segurança? Através de uma perversão semiológica de que os próprios nem se apercebem, a sua agitação envolve um elaborado subtexto ideológico (que, em boa verdade, coincide ponto por ponto com alguns discursos enraizados no espaço da esquerda). A saber: alguém que precisa de tal protecção só pode ser um sinistro governante...
Não tenho dúvidas que haverá razões muito pertinentes para discutir e contestar as políticas europeias de que a chanceler alemã é uma das principais protagonistas. Mas estamos a falar de televisão. E em televisão assistimos a esse lamentável burlesco em que a “verdade” do directo se enraíza em descrições apocalípticas da segurança em torno de Merkel, mais alguns planos vazios da entrada do aeroporto de Figo Maduro e, por fim, entrevistas (?) com os elementos do grupo musical Homens da Luta.
O certo é que a televisão favorece este infantilismo que reduz os cidadãos a incautos peões de uma generalizada “cultura da queixa” (utilizo a expressão consagrada pelo livro em que Robert Hughes demonstrava, ponto por ponto, que a promoção generalizada da queixa pela queixa constitui, hoje em dia, um dos mais cruéis dispositivos de ditadura mediática). Importa, aliás, referir também aquilo que os canais generalistas propunham nesse heróico final de manhã, ao mesmo tempo que a entrada de Merkel no espaço aéreo português desencadeava a Terceira Guerra Mundial...
Que se passava, então? Alguns conselhos médicos (as dores nas costas podem ser tão dramáticas como os ditames do Banco Central Europeu), diversas divagações gastronómicas (nunca uma crise económica gerou tanta sofisticação “gourmet”) e, claro, enxurradas de música pimba de quinta ordem, dessa que nos faz admitir que, bem vistas as coisas, Tony Carreira e Schubert... enfim. Como é que todos estes horrores matinais se combinam com a guerra sem fim contra Merkel? Eis uma pergunta política a que as televisões, no seu próprio interesse, deveriam tentar responder.