quinta-feira, novembro 22, 2012

Quando a ficção é científica

A Gradiva acaba de reeditar no mercado nacional o romance Contacto, a única obra de ficção assinada por Carl Sagan. Este texto foi originalmente publicado na edição de 31 de outubro de 2012 do DN com o título 'Uma narrativa de ficção para discutir o universo'.

Carl Sagan acreditava que a ciência podia chegar a todos. Comunicador nato, fez da série televisiva Cosmos uma voz que deu a volta ao planeta, tornando próximos os distantes planetas, as estrelas e os quasars, os muitos livros que editou antes e depois seguindo o mesmo caminho. Sagan defendia que todos se podiam interessar pelos assuntos da ciência. “É só uma questão de fazer com que esta lhes chegue de uma forma acessível”, disse aos microfones da rádio pública norte- americana em 1996. Falava então da adaptação ao cinema de Contacto, aquele que foi o seu único livro de ficção, que a Gradiva agora volta a publicar entre nós, integrado numa coleção que tem vindo a apresentar a integral das suas obras. É frequente vermos autores de literatura de ficção científica a assinar títulos de ensaio na área da ciência. E basta recordar livros de nomes como Ben Bova ou Arthur C. Clark para termos bons exemplos de textos informados e consequentes. Carl Sagan fez o contrário. Astrónomo, com trabalho importante na área da exobiologia e da busca de vida extraterrestre e colorador de missões da NASA como a Voyager ou Viking, publicara nos anos 70 títulos de divulgação como Dragões do Éden (1977) ou O Cérebro de Broca, antes de em 1980 criar em Cosmos uma das mais celebradas séries de divulgação científica sobre as grandes questões da astronomia.

Por essa altura trabalhava, juntamente com Ann Druyan ( com quem se casou em 1981), no argumento para um filme de ficção. O projeto não chegou então a bom porto. Mas Sagan não o fechou numa gaveta e desenvolveu a narrativa, acabando nas mãos com um romance de ficção científica. Chamou- lhe Contacto e, através de uma narrativa que acompanha o primeiro “contacto” de seres humanos com uma mensagem extraterrestre ( que os conduzirá à construção de uma “máquina” que eventualmente permitirá o “contacto” entre as civilizações), aproveita para lançar e debater questões, de antigos conflitos entre as visões da ciência e as da fé a uma das dúvidas que mais motivou toda a sua obra científica: estaremos sós?

A história, que encara a matemática como língua universal e apresenta um projeto de busca de sinais de outras civilizações semelhante ao SETI ( em que Sagan colaborou) acabaria por chegar ao cinema em 1997, um ano depois da morte de Carl Sagan.


O argumento que Sagan começou a escrever ( com Ann Druyan) em 1979 e que na altura conheceu ponto final por incapacidade em desenvolver a produção de um filme acabou por chegar ao cinema em 1997, pelas mãos de Robert Zemeckis. Em 1996, falando à NPR, Sagan dizia que, se o filme chegasse “aos calcanhares” do 2001 Odisseia no Espaço de Kubrick já se daria por feliz. Sagan via o cinema como mais uma “ferramenta” para levar mais longe as questões da ciência. E as reflexões e questões que lançara no livro como contexto e também fermento para a condução da própria narrativa fizeram desta aventura mais um espaço de debate sobre a ciência ( e a sua relação até com o mundo da política), os dogmas, a eventualidade da existência de vida (e a própria capacidade de sobrevivência das civilizações) Protagonizado por Jodie Foster, Contacto chegou aos cinemas em 1997, depois da morte do autor. Já doente, Carl Sagan colaborou ainda com a produção e chegou mesmo a dar uma palestra ao elenco e técnicos sobre a história da astronomia.