domingo, novembro 04, 2012
Para além dos planetas
Nem só de planetas vive a música de Gustav Holst. Nesta gravação pela Ulster Orchestra, dirigida pela maestrina JoAnn Falletta encontramos uma série de obras orquestrais que alargam o retrato que podemos fazer do compositor, do seu tempo e das suas referências e afinidades.
Não é só nos espaços da música popular que há uma certa tendência em reduzir um músico à obra que o fez “famoso”, como que se nada mais de marcante ele tivesse para nos mostrar senão o que, by public demand, acabou eleito. A ditadura do gosto das massas (mas também uma certa pedra no sapato face à sua nunca muito clara relação com o poder nazi) reduz frequentemente o visionário Carl Orff (um dos mais interessantes “estudiosos” da noção de ritmo e dramatismo na música do século XX) à cantata Carmina Burana... Ou quantas vemos a obra Samuel Barber injustamente confinada a repetições ad nauseam de gravações do seu Adagio for Strings? Também a memória de Gustav Holst (1874-1934) padece de semelhante assombração, raras são as vezes que surge em gravações discográficas ou em programas de concerto com peças além da suite orquestral Os Planetas que, desde que foi estreada em 1915, deu dimensão planetária ao seu nome, mas não ao resto da sua obra...
O compositor inglês, que foi colega de Ralph Vaughan Williams (com quem partilhou algumas referências) no Royal College of Music, tem marcado presença em algumas edições da Naxos Records. E este novo disco contribui para alargarmos o retrato da sua obra orquestral, através de um conjunto de peças na sua maioria anteriores à estreia de Os Planetas. Na verdade duas delas – A Winter Idyll e Walt Whitman Overture, compostas entre 1897 e 1899 – são contemporâneas do final da sua formação, nesta última notando-se ainda uma admiração maior por Wagner que, com o tempo, cederia espaço a outras demandas, a integração de elementos de cenografia folk representando uma das novas áreas de interesse da sua busca por um caminho pessoal. De inícios do século XX datam o poema sinfónico Indra (que revela um interesse por ecos do Oriente) e a Sinfonia em Fá maior, com um belíssimo andamento lento que guarda uma dedicatória ao socialista William Morris (naquela que é uma das raras manifestações políticas na obra de Holst). O alinhamento inclui ainda a Japanese Suite, composta por alturas em que trabalhava em Os Planetas e que resultou de um pedido de um bailarino japonês que se ia então apresentar em Londres. Indra e A Winter Idyl surgem aqui pela primeira vez em disco em interpretações fiéis aos manuscritos originais do compositor. E em conjunto com as demais peças ajudam a traçar um retrato de uma figura moldada por ecos do romantismo, mas atenta ao espaço britânico ao seu redor, desse jogo de referências aflorando uma voz que não se esgota, de todo, nos retratos de planetas a que o seu nome inevitavelmente surge associado.