Monte Hellman esteve no Lisbon & Estoril Film Festival para acompanhar uma retrospectiva dos seus filmes e apresentar uma "masterclass": oportunidade para encontrar um autor de genuína independência — esta entrevista foi publicada no Diário de Notícias (17 Novembro), com o título 'O digital está a mudar a maneira de distribuir e exibir filmes'.
Quando se estreou o seu filme mais recente, Road to Nowhere/Sem Destino (2010), os espectadores que o conheciam através dos westerns dos anos 60 sentiram-no como uma grande mudança no seu trabalho.
Não terá sido uma mudança no meu trabalho. Eu é que mudei. A grande diferença provém de um método que apliquei, tentando que os meus actores deixassem de pensar. O argumento era obscuro e isso ajudava. Quando me pediam ajuda para compreender o que estava a acontecer, dizia que não fazia mal porque eu também não compreendia...
Não queria, portanto, a dúvida clássica: “Qual é a minha motivação?”
Exactamente. E funcionou muito bem: cada actor arranjou a sua maneira de lidar com a situação.
O resultado é paradoxal, já que o filme nos faz sentir a vida interior das personagens.
Porque era preciso não pensar em nada e sentir tudo.
Há algo em Road to Nowhere que não é estranho ao gosto da deambulação, ao espírito “pela estrada fora” que marca o seu clássico de 1971, Two-Lane Blacktop.
Creio que começou com a influência do crítico alemão Siegfried Kracauer (1889-1966). Ele escreveu um livro, Teoria do Cinema ou a Redenção da Realidade Física, em que fala da estrada como algo que fez o cinema diferente: se rodarmos uma cena dentro de quatro paredes, isso é teatro; mas a partir do momento em que há uma janela para a rua, para a estrada, então torna-se cinema.
O que não será estranho à tradição do western. Quando filmou O Furacão (1965) ou Duelo no Deserto (1966) procurava, de alguma maneira, reencontrar uma certa imagem mítica da América?
Não exactamente, já que estávamos a lidar com uma realidade muito concreta: trabalhámos a partir de diários originais, escritos por pioneiros alemães e eslovacos. Ao mesmo tempo, interessava-me encontrar alguns temas universais, como a relação dos homens com a terra, vindos da tragédia grega.
Esse é também um tempo de afirmação de uma certa produção independente. Parece-lhe que, hoje em dia, há algo que persista dessa produção?
Tudo isso era um pouco um mito. Houve um verdadeiro independente, Roger Corman, que deu oportunidade a vários cineastas emergentes. Hoje em dia, na verdade, os independentes são um prolongamento dos grandes estúdios.
Tem, por isso, uma visão mais pessimista do cinema americano?
Não, não creio, até porque me parece que a minha visão não mudou assim tanto.
E o uso das câmaras digitais em Road to Nowhere? Não muda a própria maneira de fazer filmes?
Não sei se muda a maneira de fazer, mas é um facto que está a mudar a maneira de distribuir e exibir filmes: o equipamento de projecção vai melhorando de forma incrível.
Ainda assim, há muitos espectadores, sobretudo mais jovens, que passaram a ver filmes apenas no computador ou em ecrãs ainda mais pequenos...
Por vezes mesmo muito pequenos... É uma perda: não há nada que se compare a uma boa projecção num grande ecrã. E quanto maior, melhor! A melhor projecção que vi de Two-Lane Blacktop foi num “drive-in”, com um ecrã quatro vezes maior do que numa sala normal.
Como vai ser o seu próximo filme?
Estou a trabalhar num projecto sobre heroísmo e romantismo. É um “thriller” sobrenatural. Vai chamar-se Love or Die (“Amar ou Morrer”), mas ainda não posso dizer qual vai ser o elenco.
Há uma diferença entre trabalhar com estrelas ou actores totalmente desconhecidos?
Não creio. Há filmes que pedem a dimensão de uma estrela, outros não...
Pode dar-nos dois exemplos clássicos, um homem e uma mulher, que tenham, para si, essa dimensão de estrela?
Sean Connery. E Ingrid Bergman.