quinta-feira, outubro 18, 2012

Sylvia Kristel (1952 - 2012)

Ficou como símbolo do erotismo cinematográfico dos anos 70: Sylvia Kristel, a protagonista do filme Emmanuelle, morreu no dia 18 de Outubro, em Amsterdão, vitimada por cancro no esófago e pulmões — contava 60 anos.
Se uma actriz pode ser "devorada" por uma das suas personagens, Sylvia Kristel é, por certo, um dos exemplos mais contundentes desse fenómeno: protagonista de Emmanuelle (1974), filme adaptado do best-seller de Emmanuelle Arsan, foi inscrita no imaginário cinematográfico como emblema de uma certa noção "libertária" da sexualidade, indissociável das convulsões dos usos e costumes desencadeadas com as ideologias utopistas dos anos 60.
Em boa verdade, do ponto de vista do mercado, Emmanuelle foi tão só a ponte comercial para, de algum modo, normalizar o efeito da crescente presença, em salas ditas "especializadas", do cinema pornográfico. O filme, dirigido por um fotógrafo até aí sem experiência cinematográfica, o francês Just Jaeckin, encontrava um compromisso moral, sem dúvida ideológico, que passou a ser norma nas salas mainstream: encenar os actos sexuais sem os elementos explícitos da pornografia, reforçando a imagem da sexualidade como um espaço de redenção supra-social — para a história, a nudez da actriz, sentada na sua cadeira de verga, ficou como o emblema universal de tal processo figurativo e simbólico.

Holandesa, nascida em Utrecht, a 28 de Setembro de 1952, Kristel tornou-se modelo aos 17 anos, vindo a ganhar o título de Miss TV Europa em 1973. A sua escolha para interpretar Emmanuelle transformou-a numa actriz regularmente solicitada para papéis que, de uma maneira ou de outra, procuravam capitalizar a sua simbologia, incluindo três sequelas de Emmanuelle (e, mais tarde, nos anos 90, em vários telefilmes).
Entre os "desvios" mais significativos da sua carreira, contam-se Le Jeu Avec le Feu (1975), de Alain Robbe-Grillet, René la Canne (1977), de Francis Girod, e Alice (1977), de Claude Chabrol (este um exemplo de conto fantástico pouco comum na filmografia do realizador). Nos EUA, com Lições Privadas (1980), de Alan Myerson, ainda conseguiu um significativo, mas isolado, sucesso: o filme suscitou muita discussão pelo facto de Kristel interpretar uma criada, de cerca de 30 anos, que seduzia o filho adolescente (Eric Brown) da família que a empregara.
No contexto português, o filme Emmanuelle, estreado em pleno período de abertura do mercado pós-25 de Abril, ficou também como uma das referências incontornáveis do fim da censura do Estado Novo, a par de títulos como O Último Tango em Paris (1972), de Bernardo Bertolucci, Garganta Funda (1972), de Gerard Damiano, ou A Grande Farra (1973), de Marco Ferreri.
Com uma história pessoal marcada por vários conflitos conjugais e também pela dependência de álcool e drogas, Kristel era uma fumadora inveterada de cigarros sem filtro. Em 2001, foi-lhe diagnosticado um cancro na garganta. Já este ano, no mês de Junho, sofrera um ataque cardíaco que fragilizara ainda mais a sua condição. Qualquer memória da sua vida envolve os paradoxos que ela própria consagrou nos títulos do seu livro de memórias, publicado em 2006 — em França chamou-se Nua; na edição inglesa, Despindo Emmanuelle.
>>> Obituário: BBC + Le Monde.