Animal Collective
“Centipdede Hz”
Domino Records
4 / 5
Há discos para os quais não é fácil criar um sucessor. Os Beatles reencontraram caminhos rumo a uma relação mais primordial com o rock entre Sgt. Peppers e o álbum branco. Os Radiohead mergulharam nas electrónicas e numa relação mais profunda com a criação de texturas depois de OK Computer, rumo a Kid A. O caminho inverso ao tomado pelos Magnetic Fields, de 69 Love Songs para i. Já David Bowie optou por aprofundar os espaços mais evidentes das sugestões glam entre Ziggy Stardust e Aladdin Sane. Por sua vez, os Blur resolveram dar-nos mais do mesmo de Parklife para The Great Escape, tal como os Portishead não mudaram muito a arrumação da casa na passagem de Dummy para Portishead. Isto sem esquecer a ideia do passo em falso, como o que deram os Stone Roses da sua estreia soberba para o desnorte de The Second Coming ou o drama que se seguiu a Pet Sounds nuns Beach Boys que viram o visionário Smile acabar fechado na gaveta durante anos a fio... Merryweather Post Pavillion, disco de 2009 dos Animal Collective, foi um álbum do calibre destes “marcos” e um dia (não muito distante) a história vai recordá-lo como uma das peças centrais (e basta reconhecer a quantidade de descendências que tem gerado) da música do início do século XXI. O disco resolveu, numa perspetiva pop, mas sem abdicar de princípios basilares da identidade da banda e da sua linguagem, uma noção de arrumação e sistematização de ideias que vinham a trabalhar em álbuns já por si magníficos – como o foram Sung Tongs (2004), o quase-perfeito Feels (2005) e Strawberry Jam (2007) – mas aos quais faltava não só aquela coleção invulgarmente inspirada de canções, como o “momento” que o desenhou (e que muito deve também quer à visão quer ao impacte do genial Person Pitch, que Panda Bear lançou a solo em 2007). E depois?... Não faltou quem temesse um eventual ponto final. Mas houve um EP lançado em continuidade. Depois um filme... Concertos e um happening que deu que falar no Museu Guggenheim... E a banda que em tempos vivia em Baltimore e entretanto mudou de ares (Panda Bear em Portugal, Avey Tare na Califórnia), deu por si de volta à cidade para, em conjunto, numa mesma sala de ensaios, trabalhar um novo disco. E é dessa dinâmica reencontrada de trabalho conjunto (e do som que acontece entre as paredes de uma sala) que nasceu o caminho que os levou a Centipde Hz. O álbum pode ser visto com uma reação “a” Merryweather Post Pavillion (não confundir com uma ideia de reação “contra” o álbum anterior), procurando outros rumos, a luminosidade mais pop cedendo lugar a uma pulsão mais tensa e intensa (que lembra algumas etapas anteriores), as cenografias e texturas desarrumando soluções e linhas usadas nos tempos mais recentes, mas sem perder de todo o sentido sólido da canção (vincando a evolução de uma escrita que foi melhorando de disco para disco) nem mesmo as características primordiais do som da banda (o psicadelismo, o apetite tribalista, as estruturas circulares, a convivência das electrónicas e percussões com as guitarras, os próprios registos vocais). As canções são de arestas menos evidentemente polidas, mas não menos seguras de si mesmas, a alma do disco não sendo contudo coisa estanque face a heranças do seu passado recente (Applesauce, por exemplo, podia morar no alinhamento do álbum de 2009). Não recusa as heranças diretas das vivências a solo (há até aqui um tema que Panda Bear trabalhara para Tomboy e acabou destinado ao grupo), mas ao passo que Merryweather Post Pavillion era um claro herdeiro de Person Pitch, em Centipede Hz sentimos uma banda que volta a colocar junto de si o desafio de, em conjunto, reinventar o seu caminho, tomando o universo dos sons da rádio como importante fonte de inspiração. Optaram por voltar a desafiar-se em si mesmos, a querer saber quem são e o que fazem aqui. Talvez não tenham encontrado já aqui o disco ideal, certo sendo que definem em Centipede Hz as bases para nova demanda que lá os fará chegar...