sábado, setembro 15, 2012

Nem só de verão viveram os Beach Boys (2)

Foi em 1962, há 50 anos, que os Beach Boys editaram o seu primeiro álbum. Este texto foi originalmente publicado na edição de 25 de agosto do suplemento Q., do Diário de Notícias, com o título 'A luz iluminou os Beach Boys quando saíram do sol'.

Foi em volta da casa dos irmãos Brian, Carl (8) e Dennis Wilson que se viveu a pré-história dos Beach Boys. Partilhavam o mesmo quarto e, de noite, por vezes experimentavam harmonias vocais, já sob orientação de Brian. De resto, quando em 1963 gravam Lonely Sea para o seu segundo álbum, mais não sentem senão um reviver dessas memórias em família. Das experiências de cânticos nas noites de Natal junta-se aos três irmãos o primo Mike Love (9) (que seria o primeiro parceiro criativo de Brian, assinando as letras de muitas das canções da primeira etapa da vida do grupo). O quinteto ganha forma quando entra em cena Al Jardine (10), um colega de escola de Brian.


E foi em setembro de 1961 que Murray Wilson (o pai dos irmãos Wilson e primeiro manager da banda) levou os rapazes a um estúdio de gravação, em Melrose Avenue. Chamavam-se então The Pendletones e felizmente escutaram o promotor da editora quando este lhes sugeriu que mudassem de nome. Um mês mais tarde, com a etiqueta da pequena Candix Records, era editado Surfin’, o primeiro single dos Beach Boys. Passa nas rádios e faz-se um pequeno êxito local. Mas a editora não quis sequela. E, com uma maquete de quatro canções na mão – entre as quais Surfin’ Safari e 409 –, Murray leva a música dos Beach Boys a visitar outros editores. Foi Nick Venet, da Capitol Records, quem reagiu, compreendendo que tinha encontrado o que Barney Hoskins descreve como ouro adolescente [teenage gold é a expressão que usa]. Tinha razão. E o sonho, com sabor a surf, deu primeiro sinal de si bem longe do mar, quando pouco depois Surfin’ Safari, o primeiro single que lançam pela Capitol (em junho de 1962), se transforma num sucesso em Phoenix, no Arizona. A meio do deserto, portanto...

Apesar das baixas expectativas de alguns executivos da editora, que os viam como suburbanos sem grande futuro, Surfin’ Safari sobe ao número 14 à escala nacional, cativando atenções para o álbum, com o mesmo tempo, que editam pouco depois. Contudo, é só depois do “caso” sério em que se transforma Surfin’ USA (já em março de 1963) que a vaga surf varre os EUA de costa a costa, dando lugar às mais improváveis manifestações de sucesso à conta do fenómeno. Jack Nitsche chega ao top 40 com The Lonely Surfer, Bobby Darin e Jim McGuinn cantam Beach Ball como City Surfers, o baterista de jazz Shelly Manne grava The Monster Surfer. Há até mesmo uns Surfer Mariachis, que editam, com tempero mais mexicano, Surf South of the Border.

Convém contudo recordar que nem só da euforia surf vivia então a música dos Beach Boys. Até porque, julgando ser esse um fenómeno passageiro, os responsáveis da editora criam em 1963 uma compilação centrada num outro foco de paixão juvenil: os carros. Quanto mais rápidos, melhor. Usam Shut Down, título de canção dos Beach Boys para lhe dar nome. A decisão não agrada ao grupo, que contudo responde editando em 1963 o álbum Little Deuce Coupe, igualmente focado nesses entusiasmos a quatro rodas.

O reverso da medalha, de onde nasceriam as linhas que pouco depois definiriam outros rumos e etapas na obra dos Beach Boys, surgira no alinhamento de Surfin’ USA, o seu segundo álbum de originais (1963). Lonely Sea, uma emotiva balada, era uma composição na qual Brian Wilson trabalhara conjuntamente com Gary Usher, um vizinho em Hawthorne que intuira algo ao escutar a melodia. “No dia em que o conheci [fala de Brian], entendemo-nos logo como num romance platónico. Ele perguntou-me em que é que eu estava trabalhar. E eu tinha algumas palavras para o Lonely Sea e uma base para uma progressão de acordes. (...) O Brian acabou a música. E completámos a canção nesse mesmo dia.” (11) O texto que acompanha o booklet de uma das reedições de Surfin’ USA lembra que Lonely Sea representa o primeiro instante em que a “emoção” se afirma como elemento central numa canção dos Beach Boys. Aparentemente perdida entre hinos de hedonismo, festa, praia e mar, a canção acabaria por ser um dos momentos mais consequentes do alinhamento do álbum. Não só abrindo caminho para In My Room (de Surfer Girl, editado em setembro de 1963), como semeia um espaço de afirmação mais pessoal que Brian Wilson aprofundaria mais tarde em The Beach Boys Today! (1965), antecipando a expressão maior da sua individualidade que chegaria em 1966 com Pet Sounds. O crítico de música Jim Fusilli defende mesmo que canções como Lonely Sea, assim como Surfer Girl ou Your Summer Dream não falavam de amor e romance, mas sim de solidão e alienação. (12)

Mas estes são ainda dias de sonho e festa, aos poucos os EUA transformando os Beach Boys num dos maiores fenómenos de popularidade do seu tempo. Tendo decidido retomar os estudos, Al Jardine afastara-se temporariamente do grupo, sendo substituído até finais de 1963 por David Marks (13), guitarrista e amigo de Carl, que assim surge nas fotos das capas dos primeiros álbuns. David não canta mas Domenic Priore, um estudioso do fenómeno da música surf, defende que a sua presença no grupo – sobretudo na relação instrumental com Carl – foi marcante na época, não apenas para a definição do som dos Beach Boys mas para o som de guitarras naquele espaço da invenção pop.

Surfer Girl, que ainda conta com David Marks a bordo, foi o primeiro álbum a apresentar na capa um crédito na produção para Brian Wilson. Ele era já o evidente compositor principal do grupo e a ideia de passar tempo na estrada, em digressão, começava já a fazer-lhe sentir que era algo que lhe tirava tempo para a criação. No texto por si assinado que abre a reedição de 2001 de Surfer Girl ele mesmo confessa: “Estava cansado de andar em digressão e este álbum ajudou-me a relaxar e a ser criativo.” Mas faltava ainda algum tempo até ao dia em que colocou um ponto final na sua agenda de palcos, para passar a viver a sua relação com os Beach Boys exclusivamente no estúdio.

8 – Carl Wilson (1946-1998) Principal guitarrista dos Beach Boys. Teve breve discografia a solo nos anos 80.
9 – Mile Love (n. 1941) Primo dos irmãos Wilson, é um dos fundadores e vocalistas dos Beach Boys. Editou um álbum a solo em 1981.
10 – Al Jardine (n. 1942) Guitarrista e um dos vocalistas dos Beach Boys. Mantém obra a solo desde 2001.
11 – ver booklet da reedição de 2001, pela EMI, de Surfin' Safari e Surfin'USA
12 - in 'Pet Sounds', de Jim Fusili (Continuum, 2005), pág 23
13 - David Marks (n. 1948) Guitarrista, substituiu Al Jardine nos Beach Boys entre 1962 e 63. Retomou um lugar na banda para gravar o álbum de regresso editado este ano.