sábado, setembro 08, 2012

Nem só de verão vivem os Beach Boys (1)

Foi em 1962, há 50 anos, que os Beach Boys editaram o seu primeiro álbum. Este texto foi originalmente publicado na edição de 25 de agosto do suplemento Q., do Diário de Notícias, com o título 'A luz iluminou os Beach Boys quando saíram do sol'.

Segundo nos contam alguns pensadores da cultura pop, o teenager americano nasceu por volta de 1955. Elvis Presley tinha entrado nos estúdios da Sun Records no ano anterior e de lá saído com um primeiro single. Com alguma ironia, como descreve Barney Hoskins na sua história da música de Los Angeles, o teenager branco americano “definia a sua rebelião através do rhythm’n’blues negro, do mesmo modo como os punks brancos e suburbanos dos anos 90 definiam a sua com o gansta rap(1). Como o autor também descreve, em muitas outras cidades americanas de então, os adolescentes de Los Angeles bebiam batidos, dançavam os discos que ouviam nas jukeboxes, viam filmes e estavam atentos às tendências que iam surgindo. A diferença, como aponta Barney Hoskins, é que estes adolescentes estavam a crescer num lugar que pegava nas tendências juvenis e as transformava em filmes. E ali “a fronteira entre a realidade e a ilusão no celulóide rapidamente se esbatia” (2).

Era esta a cidade em que cresciam os irmãos Wilson. Moravam numa casa (que foi demolida nos anos 80 para dar lugar a uma autoestrada) em Hawthorne, uma zona de Los Angeles não muito longe do mar. Murray e Audree, os pais, gostavam ambos de música e encorajavam os filhos não apenas a cantar mas também a tocar instrumentos. Como recorda Nick Venet (que assinou os Beach Boys para a Capitol Records), na altura nenhum dos três irmãos fazia surf. Nem mesmo Dennis (3), que acabaria como o sex symbol do grupo e um praticante reconhecido de surf: “Apanhavam tudo nos filmes”, disse. Pelo que, defende Barney Hoskins, como tantas outras realidades californianas, os Beach Boys “eram uma ilusão canalizada por Hollywood” (4).

O ambiente familiar na casa dos irmãos Wilson estava contudo longe de ser idílico. São de resto conhecidas as histórias de violência do pai sobre os filhos, uma delas apontando uma bofetada que teria consequências num dos ouvidos de Brian (5). O seu desejo de fuga era, portanto, evidente, procurando assim um lugar de conforto pessoal, um “esconderijo”. E em vez de um lugar físico, descobriu esse espaço na sua música. “A minha cabeça estava cheia de uma necessidade de tirar uma má infância do meu peito. E fazia-o sentando-me ao piano, tocando acordes e ritmos.” (6) Porém, e como sugere Barney Hoskins, “raspa-se a superfície bronzeada do sonho californiano e o que encontramos é uma família severamante disfuncional, aterrorizada por um ogre que fumava cachimbo” (7), claro contraste com os cenários paradisíacos de sol, festa e mar que ouvíamos nos hinos que rapidamente mostraram ir bem mais longe do que a maioria dos demais nomes do surf feito música pop.

1 – in Waiting For The Sun, de Barney Hoskins (Bloomsbury, 1996), pag 39 
2 – ibidem 
3 – Dennis Wilson (1944-1983) – Baterista dos Beack Boys, lugar que foi seu até à data da sua morte. Em 1977 editou, a solo, 'Pacific Ocean Blue'. 
4 - in Waiting For The Sun, de Barney Hoskins (Bloomsbury, 1996), pag 60 
5 – Brian Wilson (n. 1942) Líder e principal autor das canções dos Beach Boys e reconhecido como um dos maiores nomes da história da música popular. Depois do seu colapso mental em 1967 levou algum tempo a retomar o seu lugar de maior protagonismo no grupo. Tem discografia a solo desde 1987 (tendo lançado antes um primeiro single, em nome próprio, em 1966) 
6 – in 'Pet Sounds', de Jim Fusili (Continuum, 2005), pág 20