Afinal, o cinema de Verão não tem de ser ruído, explosões e inteligência degradada. A "antiga" comédia de Hollywood resiste e recomenda-se – este texto foi publicado no Diário de Notícias (8 Setembro), com o título 'Redescobrindo as delícias da comédia familiar'.
Há uns anos, quando os “blockbusters” de Verão, marcados pelo aparato dos efeitos especiais, começaram a dominar os mercados de todo o mundo, várias vozes de Hollywood insurgiram-se contra a desumanização dos filmes e das suas histórias. Meryl Streep foi uma das mais contundentes, chamando a atenção para a dificuldade de encontrar personagens adultas realmente interessantes e, em particular, personagens marcadas pelas agruras, cruéis ou irónicas, do envelhecimento.
Pois bem, nem tudo estará perdido. E se é verdade que as linhas de força do Verão cinematográfico não se alteraram, não é menos verdade que os estúdios americanos estão a apostar numa diversificação da sua oferta, cientes de que crianças e adolescentes não esgotam o seu público potencial. Terapia a Dois (título original: Hope Springs) é um bom exemplo disso mesmo, colocando em cena a crise de um casal interpretado por Tommy Lee Jones e... Meryl Streep!
Realizado por David Frankel, que já dirigira Streep em O Diabo Veste Prada (2006), Terapia a Dois possui como primeiro e decisivo trunfo o argumento escrito por Vanessa Taylor (que produziu a série televisiva A Guerra dos Tronos). Contornando muitos estereótipos que a história privada do casal de protagonistas poderia suscitar, o filme envolve uma delicada travessia dos seus problemas de comunicação que desemboca na personagem secundária, mas decisiva, do conselheiro matrimonial que decidem consultar. Steve Carrell interpreta-o, aliás, de forma surpreendente, quanto mais não seja porque a sua composição o afasta dos modelos mais ou menos burlescos através dos quais o descobrimos em The Daily Show, sob a égide de Jon Stewart. São especialmente subtis, e muito divertidas, as cenas em que o conselheiro lembra ao casal a possibilidade de reatarem os seus hábitos sexuais... Evitando a facilidade da caricatura, Terapia a Dois encena tudo isso a partir de um essencial princípio dramático e moral: o que importa preservar (e valorizar) é sempre o carácter único e irredutível de cada uma das personagens.
Na eficácia com que recupera modelos e ambiências da clássica comédia familiar de Hollywood, Terapia a Dois deixa uma ideia muito simples: a de que continua a haver espaço para filmes que acreditam num registo em que a riqueza psicológica vai a par de uma atenção discreta, mas incisiva, às dinâmicas dos comportamentos individuais e colectivos. Escusado será dizer que, para tal eficácia, a presença de actores com o talento de Meryl Streep, Tommy Lee Jones ou Steve Carrell será sempre decisiva.