terça-feira, setembro 18, 2012

Marilyn: memórias cruzadas (1/3)

Marilyn Monroe faleceu há meio século... Em boa verdade, as suas memórias e imagens estão sempre a reaparecer, como se nunca soubéssemos encerrar a sua história — este texto foi publicado no suplemento "QI", do Diário de Notícias (15 Setembro), com o título 'A inocência perdida de Marilyn Monroe'.

No seu livro de referência, Marilyn Monroe – The Biography (Chatto & Windus Ltd., 1993), Donald Spoto (1) recorda uma visita que Marilyn, aliás Norma Jeane Baker, fez a sua mãe, Gladys Pearl Baker, algures nos primeiros meses de 1946. Depois dos problemas mentais que a tinham afectado – e que fizeram com que a educação de Norma Jeane fosse assumida pelo Estado, entregue à guarda de uma família adoptiva –, Gladys tinha-se fixado em Portland, Oregon, alimentando a ilusão de poder voltar a viver com a filha. O reencontro de Gladys com a futura Marilyn, então com 19 anos, terá sido tanto mais embaraçoso quanto Norma Jeane, à beira do divórcio do seu primeiro marido, já alimentava o sonho de trabalhar no mundo do cinema.
Norma Jeane casara-se com James Dougherty, um polícia de Los Angeles, contava apenas 16 anos. Em boa verdade, na altura, a sua família de acolhimento ia mudar-se para o estado da Virginia e, de acordo com uma decisão que permaneceu por explicar, tinham decidido não levar Norma Jeane: o casamento com um colega de escola (cinco anos mais velho) foi uma “solução” para evitar que Norma Jeane voltasse a ser enviada para um orfanato.
No seu livro, Spoto descreve assim o efeito das palavras de Gladys, proclamando a vontade de voltar a partilhar uma casa com a filha: “Isto assustou Norma Jeane que, mal conhecendo a mãe, e antecipando o fim do seu próprio casamento, não conseguia imaginar-se a assumir a pesada tarefa de tomar conta de Gladys. Nesse momento, André falou, dizendo que se ia casar com Norman Jeane depois do seu divórcio e que iriam mudar-se para Nova Iorque. Norma Jeane tentou interrompê-lo, para corrigir as suas expectativas, mas bruscamente ele disse que era altura de partirem. ‘Vêmo-nos em breve, Mamã’, disse Norma Jeane. Lutando contra as lágrimas, beijou a mãe, deixou a morada e o número de telefone na mesa, junto com as prendas, e saíu discretamente. No carro de André, a caminho do sul em direcção a casa, chorou de forma inconsolável.”
Como se pode verificar, nesta dramática cena familiar, por certo essencial na história da orfandade mitológica de Marilyn, há uma personagem que introduz uma nova linha de força: quem é este “André” que, como outros homens na vida de Norma Jeane, parece combinar o estatuto de protector com um poder mais ou menos contundente?

(1) DONALD SPOTO (n. 1941) – Escritor americano, a sua obra reparte-se pelo mundo do espectáculo e temas teológicos. É autor de mais de duas dezenas de livros biográficos: entre os que retratou incluem-se Tennessee Williams, Marlene Dietrich, Alfred Hitchcock, Elizabeth Taylor e Audrey Hepburn.