Quem somos nós, personagens da história? Somos também fazedores da história e, nessa medida, contadores de histórias. A conclusão de Jacques Rancière é, de uma só vez, pedagógica e eloquente, transparente e prospectiva: "A história não deixou de se contar em histórias".
O novo, breve e fascinante livro de Rancière — Figures de l'Histoire (col. Travaux Pratiques, PUF) — reúne dois textos escritos para acompanhar a exposição 'Face à l'histoire' (Centro Pompidou, 1996). Confrontando-se em especial com representações cinematográficas e pictóricas, o autor propõe uma (re)aproximação das respectivas linguagens para além de qualquer perspectiva de "transcrição" automática ou passiva (esse simplismo que, todos os dias, é propagado pelas televisões, esvaziando a história e as singularidades das suas personagens). No cinema, em particular, Rancière pensa a partir de uma bizarra "insuficiência" cognitiva: "O cinema, diz Oliveira retomado por Godard, é 'uma saturação de signos magníficos que mergulham na luz da sua ausência de explicação."
A história — a nossa história, pelo menos, de filhos das convulsões do século XX —nasce, afinal, de uma tão imperfeita quanto fascinante democracia da luz, enraizada nas origens da imagem fotográfica: "A história é o tempo em que aqueles que não têm direito a ocupar o mesmo lugar podem ocupar a mesma imagem."
Um livro, enfim, para promover a concisão dos olhares.