Como fotografar os outros? E como mostrar/devolver as suas imagens? Women Are Heroes, de JR, é um filme enraizado nessas interrogações — este texto foi publicado no Diário de Notícias, com o título 'Imagens do novo museu urbano'.
Provavelmente, o artista que assina JR não quis fazer um documentário sobre as “mulheres” que classifica pelo seu “heroísmo”... E, no entanto, é difícil não considerar que o seu filme Women Are Heroes envolve uma importante dimensão documental. Resta saber o que está ele a documentar. Pois bem, o seu próprio trabalho de artista plástico, fotógrafo e performer. Dito de outro modo: as mulheres fotografadas por JR valem tanto quanto podem valer as suas imagens. Banal mercantilização? Não sejamos moralistas. Digamos que se trata antes de glosar o efeito de abstracção que o mercado pode gerar. Assim, em vez de registar imagens para, depois, as ampliar noutro lugar, JR expõe as suas fotografias nos próprios espaços (casas, comboios, favelas) em que se movem as suas protagonistas. E tudo pode ser superfície de exposição: o museu deixa de ser um espaço “alternativo”, sobreponde-se agora, literal e metaforicamente, ao mapa urbano.
Há uma assumida dimensão “frustrante” em tudo isto. Perto do final, essa sensação é mesmo explicitada com desarmante sinceridade: o mais certo é que as fotografias, e a intervenção artística que materializam, desapareçam sem deixar rastro... No limite, podemos ler em tal reconhecimento o cansaço de uma postura “pós-pós-moderna” que vive num jogo de espelhos com as linguagens, contemplando o esvaziamento simbólico de cada uma dessas linguagens. Daí a contradição insolúvel de Women Are Heroes: é um filme que nos contagia pelo exuberante artifício da sua escrita visual, mas que, feitas as contas, já não tem qualquer relação próxima com as matérias que integra. Se quisermos evocar a lição de Roland Barthes, talvez possamos dizer que lhe falta, não o labor das formas, mas esse tremor da linguagem a que podemos dar o nome de sensualidade.
>>> Site oficial de JR.