quarta-feira, agosto 15, 2012

Testemunhas de uma mudança


Um olhar pelos dias em que a epidemia da sida começou a chegar aos jornais. Diferente contudo das histórias contadas em filmes como Noites Bravas (Cyril Collard, 1992), Companheiros de Sempre (Norman René, 1989) ou o histórico Parting Glances (Bill Sherwood, 1986), alguns dos primeiros exemplos de títulos a abordar a doença. Não estreou entre nós. Nem teve sequer edição em DVD. Mas Les Témoins, de André Techiné, merecia melhor atenção.

Testemunhas, diz o título. Não apenas das vidas uns dos outros (ou seja, das cinco personagens em volta das quais evolui a narrativa). Mas do modo como a felicidade mudou quando as primeiras notícias chegaram. E com elas as primeiras vítimas. Em Les Témoins, de 2007, André Téchiné coloca em cena um casal, um amigo e dois irmãos. Mehdi, um polícia casado com uma escritora (interpretada por Emanuelle Béart) que é quem, afinal, nos conta o que aconteceu. Um médico de meia idade que, numa noite, num local de cruising em Paris, conhece Manu, um jovem que partilha com a irmã (uma jovem cantora lírica) um quarto num hotel de terceira linha. O inesperado romance que emerge entre Manu e Mehdi é o gatilho narrativo, as vidas dos cinco sendo inevitavelmente transformadas por consequência. Ao contrário de Juncos Silvestres (de 1994), no qual o desejo que um jovem gay sente por um amigo heterossexual mora no centro da narrativa, em Les Témoins não é na relação entre Manu e Mehdi que o realizador foca o filme, assim como não é a descoberta da doença em sim quem “rouba” as atenções. Foi o próprio André Téchniné quem confessou que esperava que o espectador encontrasse um patamar de empatia com a personagem de Manu na primeira metade do filme. E é aí que o filme se distancia de tantos outros filmes, dando espaço e tempo de vida antes da chegada dos primeiros sintomas e da progressiva evolução clínica.

Depois de ter sido presença marcante e mais recorrente no cinema de finais dos anos 80 e início dos noventas - recorde-se por exemplo The Living End, de Gregg Araki em 1992 ou até mesmo o “fenómeno” de bilheteira de Filadélfia, de Jonathan Demme, em 1993 – a sida não foi contudo esquecida pelo cinema. De As Horas, de Stephen Daldry (que adapta o romance homónimo de Michael Cunningham) a Anjos na América de Mike Nichols (versão cinematográfica da peça com o mesmo título de Tony Kushner), não esquecendo o documentário em forma de ópera Fig Trees que é a obra-prima de John Greyson não faltam exemplos de obras pungentes. Um outro exemplo possível pode recordar Pedro, de Nick Oceano (filme de 2008 com argumento de Dustin Lance Black), que retrata a vida de Pedro Zamora, um jovem de ascendência cubana que integrou o elenco de uma das primeiras épocas do reality show da MTV The Real World e morreu, vítima de complicações de sida, em 1994, quando tinha apenas 22 anos.

É estranho o silêncio a que parece ter sido votado o filme de Téchiné. Não toma, é certo, a doença como centro gravítico da narrativa. Mas antes a forma como esta mudou não só a vida daqueles que orbitam em redor de Manu e com ele se relacionaram, mas sua própria noção de felicidade, tomando-os como figuras que assim representam a essência de grandes mudanças que chegaram naquele tempo. Afinal, as testemunhas de que nos fala o título.