Com O Cavaleiro das Trevas Renasce, Christopher Nolan encerra a sua trilogia de Batman circulando por um mundo assombrado pelas suas próprias máscaras — este texto foi publicado no Diário de Notícias (1 Agosto), com o título 'Máscaras para o fim do mundo'.
Perpassa uma ironia paradoxal na conclusão da trilogia de Christopher Nolan sobre Batman. O herói (Christian Bale) abandonou a máscara, optando pela solidão amarga da sua identidade civil, Bruce Wayne; Bane (Tom Hardy), o vilão que quer destruir Gotham, reconhece o valor simbólico da ocultação: “Ninguém se interessava por mim, até que comecei a usar uma máscara...”. Há uma dimensão dramática nestas palavras, já que a impressionante máscara de Bane (que não impede Hardy de um elaborado trabalho de representação) remete para um passado habitado pela dor. Mas o seu enunciado envolve também uma curiosa lição narrativa: as personagens mais interessantes resistem sempre à sua própria clarificação (velha máxima de Hitchcock: um boa fita precisa de um grande “mau”).
Nolan consegue, assim, um desfecho épico para a sua convivência com o “homem-morcego”: O Cavaleiro das Trevas Renasce garante-nos a vibração própria de uma saga que, mais do que nunca, se assume como espelho barroco dos temas apocalípticos da nossa época, incluindo as convulsões do mundo da finança (a ponto de o filme ousar encenar a ocupação de Wall Street pelo exército de Bane). Mas falta-lhe agilidade para ligar as muitas pontas soltas das suas várias histórias cruzadas. Na prática, deparamos com um drama típico deste tipo de franchises: mesmo quando integram cineastas de indiscutível talento, há nelas um “caderno de encargos” que contraria a fruição das emoções que colocam em jogo.
Afinal de contas, o trabalho de Nolan está todo ele marcado por este pressentimento, estranhamente sensual, de que o mundo se pode desagregar a qualquer momento. O símbolo notável disso mesmo chama-se Memento (2000) e custou 9 milhões de dólares, 27 vezes menos que O Cavaleiro das Trevas Renasce.