O território de leituras, interpretações e especulações em torno da obra de Stanley Kubrick (1928-1999) é como o firmamento que ele filmou em 2001, Odisseia no Espaço (1968): infinito. Este ano, com a exposição “2012 Odisseia Kubrick”, o festival Curtas-Vila do Conde propôs um exemplar conjunto de variações sobre tão fascinante diversidade. São nove instalações ou trabalhos de vídeo patentes na Solar – Galeria de Arte Cinemática e no Centro de Memória de Vila do Conde (até 11 de Novembro) que estão longe de se inscrever num banal conceito de “homenagem”. Nada disso: os artistas participantes – Alexandre Estrela, Graham Gussin, João Onofre, João Tabarra, Johan Thurfjell, Miguel Soares, Nicolas Provost, Pedro Tudela e Sheena Macrae – criaram novíssimos objectos que, ao retomarem diversas referências da obra de Kubrick, se apresentam assombrados pelos seus temas e iconografia.
"Do You Have the Shine?", Johan Turfjell |
Apetece dizer que estamos perante derivações da idade dos jogos de vídeo. Ou mais exactamente: do vídeo e dos seus jogos. Johan Turfjell propõe mesmo um registo que parte de um jogo de vídeo, “Do You Have the Shine?”, por sua vez inspirado no filme Shining (1980). Em cena está o cenário tal como visto por Danny (Danny Lloyd), a criança do filme, quando se desloca no seu triciclo pelos corredores do Overlook Hotel. O resultado é uma espécie de contagem sem fim (na base da imagem, Turfjell coloca mesmo um sistema de pontos semelhante ao de um jogo de vídeo) que participa, de uma só vez, dos mecanismos de suspense da narrativa fílmica e da lógica teatral, em loop, de uma instalação videográfica.
"Odyssey", Sheena Macrae |
Há experiências de admirável reinvenção formal, como é o caso de "Odyssey", de Sheena Macrae, reconfigurando a totalidade das imagens de 2001 numa espécie de “filme-painel” dividido em tiras de luz: o resultado é uma projecção de 7 minutos que nos dá a ver o filme como uma experiência em permanente transmutação formal. E há também quem se inspire em Kubrick para construir as mais perturbantes derivações simbólicas: assim acontece em Induction, filme de dez minutos assinado por Nicolas Provost (notável cineasta belga que o certame de Vila do Conde tem acolhido em sucessivas edições), encenando uma aventura emocional e sexual que desafia os mais diversos padrões de percepção dramática e ideológica.
Induction, Nicolas Provost |
Um dos méritos desta exposição decorre da sua resistência implícita ao lugar-comum que tenta reduzir a experiência cinematográfica àquilo que os filmes “significam”. Desde logo, porque nenhuma significação é unívoca, unilateral ou definitiva. Depois, porque os filmes são também (são mesmo sobretudo) aquilo que nós fazemos com eles, como os pensamos, o que dizemos sobre eles, que novas imagens (e sons) inventamos a partir deles. Em boa verdade, Kubrick nunca quis outra coisa. Como se diz numa legenda de 2001: “E mais além, o infinito”.