quarta-feira, junho 06, 2012

Entrevista com David Cronenberg (3/3)

Robert Pattinson e David Cronenberg
Cannes, 25 Maio 2012 (FOTO: AFP)
Esta entrevista foi publicada no Diário de Notícias (2 Junho), com o título ' "Cosmopolis" pode ser um sonho mas também um documentário ' — a conversa com David Cronenberg ocorreu em Cannes, durante o festival, a 24 de Maio, no Hotel JW Marriott.

[ 2 ]

Será que, de um modo geral, os espectadores vão ver Eric Packer como um herói ou um anti-herói? Alguém que pode ser amado? Alguém que suscita ódio?
Na verdade, creio que um pouco de tudo isso. Foi, aliás, uma questão que me conduziu à escolha de Robert Pattinson, já que precisava de um actor que tivesse carisma e que pudéssemos olhar em qualquer cena do filme (porque ele está em todas as cenas). À medida que o filme se aproxima do fim, creio que vamos ficando cada vez mais surpreendidos com a sua vulnerabilidade, a sua dimensão patética e, por fim, a tristeza que o habita. E não esperamos isso porque, no princípio, ele é cruel e mais ou menos sarcástico: vamos percebendo que Eric perdeu as suas relações com a humanidade e, num certo sentido, vive um processo suicida. No fim, o espectador poderá sentir simpatia por ele e ficar surpreendido por experimentar essa simpatia.

Parece-lhe que a imagem de Robert Pattinson fora deste filme (na saga Twilight) poderá interferir na relação dos espectadores com a sua personagem, logo com o próprio filme?
Não creio que isso vá acontecer. Porque, de facto, não acredito naquele conceito que diz que qualquer actor traz consigo uma “bagagem” resultante dos seus filmes anteriores. Todos temos a nossa “bagagem”... Mas se nos orientássemos apenas em função disso, ficaríamos paralisados. Não existe um actor que não tenha feito outros filmes: umas vezes as pessoas gostaram, outras não. E há outra coisa que é importante: é que procuramos um actor que tenha uma audiência (que traga consigo uma “bagagem”) porque isso é importante para o financiamento do filme.
Nesse sentido, eu precisava de Robert para fazer Cosmopolis como precisei de Viggo Mortensen para fazer Uma História de Violência. Além do mais, há muita gente, mais velha, que não viu Twilight: para esses espectadores, ele surgirá como um novo actor. Aliás, tenho visto sites sobre Cosmopolis, feitos por raparigas, fãs de Robert em Twilight, e o mais espantoso é que elas leram o livro de DeLillo – é bom saber que alargaram as suas opções de leitura.