BELARMINO (1964) |
UMA ABELHA NA CHUVA (1972) |
O DELFIM (2002) |
Fernando Lopes faleceu no dia 2 de Maio de 2012, contava 76 anos — este texto foi publicado no Diário de Notícias (3 Maio), com o título 'Viver e morrer em Portugal'.
Dou-me mal, confesso, com todas as formas de exaltação que a morte atrai. Desde logo, porque vivemos condicionados por uma cultura televisiva dominada pela hipocrisia de intermináveis rituais e efemérides (veja-se o metódico esvaziamento simbólico do “25 de Abril”). E também porque, não querendo ser duplamente hipócrita, há sempre excepções. Quero, neste caso, sublinhar a excepção de Fernando Lopes e o modo como, em televisão, justamente, os seus conceitos de programação (televisiva) e produção (audiovisual) reflectiram os valores básicos da diversidade criativa e da imponderabilidade da criação. Creio que estava aí o espelho da sua crença mais funda nas imagens e nos sons: a de serem carne viva da nossa carne.
Em diversas circunstâncias, privadas e públicas, ouvi Fernando Lopes dizer que gostava de imaginar que, passadas muitas décadas, haveria espectadores a descobrir os seus filmes. Não por qualquer necessidade de reconhecimento, muito menos de consagração. Antes porque ele esperava que esses espectadores pudessem, de algum modo, revisitar o tempo em que cada filme tinha sido rodado, dizendo: “Ah! Então eles viviam assim...”
Viver. Creio que será essa a palavra chave para voltarmos a ver (e ouvir) filmes como Belarmino, Uma Abelha na Chuva ou O Delfim. Há em todos eles uma ânsia de viver que, de acordo com a lição exemplar de Brecht, reconhece que a arte de viver é “a mais difícil de todas as artes”. E que, ao mesmo tempo, tenta contrariar o cepticismo radical do mestre Godard: “Vi tantas pessoas viver tão mal, e tantas pessoas morrer tão bem.” Creio, assim, que o tema aglutinador da sua obra foi a solidão. Não a solidão que repele o mundo, mas a que encontra formas de o acolher em toda a sua convulsiva pluralidade.