sexta-feira, maio 11, 2012
E agora querem ressuscitar os músicos?
Imaginem que uma respeitada sala essencialmente dedicada à música clássica anunciava, para a época seguinte, uma Sinfonia Nº 2 de Mahler com o próprio “herr” Mahler na sala ou um programa para piano chamando para a salva final de aplausos nada mais nada menos que o “pai” da ideia de recital para o instrumento: Franz Liszt?... Ah, e resta dizer que falaríamos da temporada 2012/13... E sem recurso a uma qualquer máquina do tempo. Só mesmo encolhendo os ombros e dizendo... “disparate”...
Porque é então menos disparate a ideia de, para assinalar os dez anos de cena do musical We Will Rock You, estar prometida a encenação de uma “aparição” de um Freddie Mercury tecnologicamente criado (atenção que não é holograma) no palco do londrino Dominion Theatre? Usando uma tecnologia semelhante à que há pouco tempo recriou a figura de Tupac Shakur num dos palcos de Coachella, um Freddie “virtual” estará em palco dia 14.
É sabido que os “mortos” vendem música. Lembramo-nos do que aconteceu recentemente com Michael Jackson e Amy Winehouse... Ou agora com os Beatie Boys, cujas vendas semanais saltaram de 4 para 55 mil discos nos dias que se seguiram à morte de Adam Yauch...
Lembro-me de, nos anos 90, haver uma ideia de uma digressão nos EUA com temas de Elvis em palco com a sua imagem projetada num ecrã sobre o palco. E lembro-me de viver, com uma sensação de profundo desconforto (sobretudo pela força da verdade que há num ícone), o concerto dos elementos dos Doors com Ian Astbuury em cena e uma foto de Jim Morrisson sobre o palco no Pavilhão Atlântico...
Os casos 2Pac e Freddie Mercury podem abrir uma perigosa caixa de Pandora. E criar uma nova sensação. Como se não bastasse já a falta de real entusiasmo (e verdade) nas digressões de reunião para nostalgia ver, imagino já a vaga das digressões de ressurreição... Haverá músicos e promotores com “lata” para cobrar bilhetes para ver concertos de bandas à metade vivos à metade virtualmente recriados em cena? Talvez... Assim como imagino que haverá quem pague para ver e de lá saia a dizer aos amigos que foi giríssimo.
Faço aqui ficção científica, claro. 2Pac “regressou” num festival. Freddie surgirá numa sessão especial num musical. Mas um cenário em que estas ideias se vulgarizem levanta um debate ético que os próprios músicos deveriam, antes de mais, discutir entre si.
Que dizer de um hipotético concerto dos Foo Fighters no qual Dave Grohl convidasse Novoselic e um Cobain virtual para um encore ao som de um tema dos Nirvana? Uma digressão dos Beach Boys que “chamasse” um Dennis Wilson tecnologicamente recriado a um dos temas? E o cúmulo da fantochada seria ver, em palco, Bernard Sumner, Peter Hook e Stephen Morris a cantar Love Will Tear Us Apart com um Ian Curtis virtual... Mete medo a ideia. E levanta fantasmas que nos devem fazer pensar onde estão os limites da relação da arte (e do próprio espectáculo) com a tecnologia.
Deixem lá então um grande maestro como Tilson Thomas ou Simon Rattle dirigir o Mahler. E a um Lang Lang ou um Pollini a tarefa de dar nova vida à música de Liszt...