terça-feira, maio 29, 2012

CANNES 2012: um pequeno balanço

Entre os que ficaram no palmarés e os (inevitáveis) ausentes, como avaliar o trabalho do júri presidido por Nanni Moretti? Com algum desencanto, convenhamos... Este texto foi publicado no Diário de Notícias (28 Maio), com o título 'Foi você que disse Reygadas?'.

Não vale a pena esconder alguma desilusão. Num festival em que vimos cineastas a discutir os limites simbólicos do nosso mundo (David Cronenberg, Cosmopolis), a reinventar a convivência entre cinema e teatro (Alain Resnais, Vous n’Avez Encore Rien Vu) ou ainda a reagir contra o naturalismo televisivo (Abbas Kiarostami, Like Someone in Love), há qualquer coisa de chocante no facto de o emblemático prémio de realização distinguir o bem intencionado e muito superficial formalismo do mexicano Carlos Reygadas. Nesse aspecto, como presidente do júri, Nanni Moretti acabou por consagrar o exacto oposto da exigência formal que tem sido apanágio da sua filmografia...
Foi, afinal, um palmarés politico e, mesmo discordando, não fará sentido acusar Moretti de incoerência: a metódica exclusão de todos os filmes americanos (e eram cinco!) decorre de uma visão que tende a demonizar quase tudo o que vem dos EUA, mesmo quando os respectivos produtos envolvem um brutal sentido autocrítico (veja-se o magnífico Killing them Softly, de Andrew Dominik, e o seu perturbante sarcasmo perante o discurso de tomada de posse de Barack Obama).
Paradoxalmente, o sentido político das escolhas do júri envolve também a distinção do excelente Reality, de Matteo Garrone, com o Grande Prémio, segundo em termos de importância no interior do palmarés: decompondo as imposturas da “reality TV”, eis um filme que sublinha a necessidade (politica, justamente) de pensarmos os efeitos devastadores da mediocridade do Big Brother e programas afins.
Dito isto, fiquemos pelo mais simples: a Palma de Ouro para Amour, de Michael Haneke, consagra um filme sublime. Além do mais, é seguro supor que o próximo filme de Moretti será sempre mais interessante que o seu trabalho como presidente do júri de Cannes. Grazie a Dio.