sábado, maio 19, 2012

CANNES 2012: contra o "Big Brother"

De vez em quando, na continuada saga da degradação televisiva, convém por os pontos nos ii. Convém, por exemplo, recordar que a visão muito crítica do Big Brother e seus derivados não é um problema da crítica de cinema... A sua formulação pode encontrar-se, antes do mais, no interior do cinema e, em particular, do cinema italiano, precisamente um dos que, na Europa, mais sofreu com os desmandos da televisão populista.
Reality, de Matteo Garrone, apresentado na secção competitiva de Cannes, aí está para ilustrar tal postura. Movendo-se com extraordinária agilidade do drama sobre as trevas do crime organizado (Gomorra, Grande Prémio de Cannes em 2008) para a comédia social à moda antiga (isto é, à moda do grande cinema popular italiano de há cerca de meio século), Garrone propõe um contundente retrato das estratégias e efeitos normativos do Big Brother. O título Reality (de reality TV) é certeiro e esclarecedor: trata-se de um colocar em cena um dispositivo televisivo que, de facto, funciona como aparelho colectivo de formatação da "realidade". O protagonista — dono de uma peixaria em Nápoles, interpretado pelo notável Aniello Arena — é mesmo alguém que começa a sentir os efeitos da "popularidade" pelo simples facto de ter participado num casting para o Big Brother... Ou como entrar na reality TV corresponde a uma apropriação de identidade (íntima e pública) que, a pouco e pouco, vai minando todas as relações humanas. Neste mundo de muitas ambivalências, exigindo a compreensão das suas nuances, contrastes e contradições, há coisas que podem (e devem) suscitar olhares muito directos: estar contra o Big Brother, e a sua destruição da inteligência de cada um, é uma dessas coisas.