sábado, abril 28, 2012

Nos 40 anos de 'Pink Moon' (5)

Continuamos a publicação integral de um texto sobre Nick Drake publicado no suplemento Q. do Diário de Notícias, assinalando os 40 anos da edição de 'Pink Moon'. O texto, com o título 'Como Nick Drake se transformou num ícone' foi publicado a 25 de fevereiro.

Como nasceu então o culto que, 40 anos depois, faz de um dos mais ignorados cantores do seu tempo um dos ícones mais admirados por várias gerações de músicos e melómanos? Patrick Humphries debate o que fez com que Nick Drake, e não tantos outros cantautores da sua geração, acabasse como tamanho ícone de referência. “Será o seu potencial de pin-up(30), pergunta? Ou a morte prematura? Mas em ambas as respostas encontra tantos outros casos sem igual repercussão. Ou seja, não é por aí... “Com Nick Drake, a obsessão pode ser tão forte que se torna progressivamente difícil separar a vida do mito. Ele tinha uma aparência magnífica, e nas fotografias a sua timidez e relutância em enfrentar a câmara só lhe acentua mais ainda o brilho. Há algo ausente nas fotografias de Nick Drake, a sensação de que se escapa para longe das lentes e que, se voltarmos a olhar, pode ser que tenha mesmo ido embora. Como quem tenta fotografar um fantasma ou apanhar um pedaço de fumo...” (31).

Humphries marca o início do nascimento de um culto em torno do músico em 1979, quando a Island Records lança Fruit Tree. Era uma caixa antológica, reunindo a obra em disco de Nick Drake (os três álbuns lançados entre 1969 e 1972), juntando os quatro temas gravados nas sessões de 1974. O título da antologia foi sugerido pela mãe de Nick Drake, recordando o tom assombradamente profético que encontrara em Fruit Tree, canção do álbum de 1969 onde se ouvia:

Fame is but a fruit tree 
So very unsound. 
It can never flourish 
Till its stock is in the ground. 
So men of fame 
Can never find a way 
Till time has flown

A partir de uma certa altura Joe Boyd recorda que começou a receber pedidos vindos dos lugares mais variados. Pessoas que queriam saber mais sobre Nick Drake, dizendo-lhe o quanto a sua música os havia marcado e mesmo influenciado. Os pais, perante estas primeiras manifestações de carinho e atenção para com a música do seu filho, chegaram mesmo a deixar que alguns desses admiradores pernoitassem no seu quarto (em Far Leys) e autorizaram que fizessem cópias das suas gravações caseiras. Mal imaginando, naturalmente, o fenómeno de culto que surgiria mais tarde e que algumas das cópias que então haviam autorizado se transformariam em bootlegs (32) algum tempos depois. (33) “Depois começamos a receber solicitações sobre argumentos para cinema e biografias. E quando o anúncio da Volkswagen, com a canção Pink Moon, chega aos ecrãs de televisão americanos no final dos anos 90, havia já um culto de admiradores de Nick Drake, os seus discos vendiam ao ritmo de dezenas de milhar por ano e tornara-se moda para jovens cantores citá-lo como uma das suas influências” (34), descreve Joe Boyd.

O single dos Dream Academy
Um segundo episódio marcante surge em 1985 quando o grupo Dream Academy vê transformado num inesperado (e pontual) êxito global o tema Life In a Northern Town, dedicado a Nick Drake. E na sequência do sucesso do single surge a compilação Heaven in a Wild Flower, com título tirado de Auguries of Innocence, um poema de 1802 de William Blake. Em 1987 é lançado Time of No Reply, disco criado por Joe Boyd reunindo material inédito entretanto recolhido, juntando aos quatro temas gravados em estúdio em 1974 uma série de canções registadas nas sessões de Five Leaves Left, duas versões alternativas de temas desse mesmo álbum e ainda algumas outras gravadas em sua casa. A sua música, mesmo traduzindo ecos do que então acontecia no panorama da folk inglesa, respirava marcas de personalidade que a distinguiam dos demais criadores, afirmando-a, desde logo, única. Atemporal, foi já dito por muitos dos que sobre ele escreveram. De facto. Mas da forma muito peculiar como afinava a sua guitarra à técnica de interpretação (elogiada por todos os que o conheceram pessoalmente), da voz tão quente como distante, da visão poética que levava às palavras que usava nas canções, há muitos mais argumentos para explicar o rapaz raro, pouco dado a falar com os outros, que ali se mostrava.

Joe Boyd lembra que Nick ouvia Bob Dylan, Bert Jansch, Davy Graham, figuras dos blues como Josh White e Brownie McGhee, compositores como Delius e Chopin e nomes do jazz como Miles Davis ou Django Reindhardt. Entre as suas leituras recorda poesia inglesa. “Mas a análise das suas influências tem dificuldade em explicar a originalidade da sua música, em particular as formas dos seus acordes. Quando visitei a casa da família em Tanworth-in-Arden, vi um piano na sala com partituras sobre o seu tampo. A sua mãe, Molly, uma mulher bela, divertida e energética, referiu que ela tinha escrito umas ‘peças amadoras’. E muitos anos depois da morte de Nick e de Molly, Gabrielle deu-me uma cassete com as canções da sua mãe. Ali, nos seus acordes ao piano, estão as raízes das harmonias de Nick. A sua reinvenção da forma standard de afinação da guitarra era a única forma para estar em sintonia com a música que tinha escutado quando estava a crescer. As composições de Molly são datadas, mas muito belas e não apenas porque antecipam as de Nick. E o núcleo desta sua natureza musical talvez tenha sido tão forte porque as suas maiores influências não tinham nada a ver com o mundo fora de sua casa”. (35)

Made to Love Magic
E a história acaba aqui? Talvez não. Ao longo dos últimos 20 anos a discografia de Nick Drake foi ampliada para bem lá dos três álbuns que editou em vida. E como? Através de fitas gravadas entre finais dos anos 60 e inícios dos anos 70, das quais têm chegado verdadeiras revelações. Gravações de 1967 em Aix en Provence, outras registadas com Robert Kirby em Cambridge em 1968 e as que o próprio Nick fez em casa dos pais, em Far Leys surgiram já em discos recentes como Made To Love Magic ou Family Tree. Mas há gravações, de que há registo, mas das quais não se conhecem os paradeiros das quais um dia poderão surgir revelações (caso sejam localizadas, naturalmente). São os casos de um concerto na Bateman Room, perto da Páscoa de 1968 ou a sessão para a BBC gravada por John Peel em Agosto de 1969 (e que terá sido apagada), havendo ainda a hipótese de existirem mais outtakes inéditos das sessões dos dois primeiros álbuns, eventuais sons de outras sessões com John Wood em 1974 ou possíveis gravações de uma emissão pela BBC Radio 2 em Abril de 1970.

30 – Pin Up – Estrela cuja imagem (o que subentende uma boa aparência) pode ser reconhecida pelo grande público (a ideia ‘pin up’ refere-se ao pendurar de posters na parede) 
31 - in Nick Drake – The Biography, de Patrick Humphries (Bloomsbury, 1997), pág 228 
32 – Bootlegs – Gravações pirata 
33 - in White Bycicles, de Joe Boyd (Serpent’s Tail, 2005), pág 262 
34 – ibidem, pág 262 
35 – ibidem, pág 263