Como nasceu então o culto que, 40 anos depois, faz de um dos mais ignorados cantores do seu tempo um dos ícones mais admirados por várias gerações de músicos e melómanos? Patrick Humphries debate o que fez com que Nick Drake, e não tantos outros cantautores da sua geração, acabasse como tamanho ícone de referência. “Será o seu potencial de pin-up” (30), pergunta? Ou a morte prematura? Mas em ambas as respostas encontra tantos outros casos sem igual repercussão. Ou seja, não é por aí... “Com Nick Drake, a obsessão pode ser tão forte que se torna progressivamente difícil separar a vida do mito. Ele tinha uma aparência magnífica, e nas fotografias a sua timidez e relutância em enfrentar a câmara só lhe acentua mais ainda o brilho. Há algo ausente nas fotografias de Nick Drake, a sensação de que se escapa para longe das lentes e que, se voltarmos a olhar, pode ser que tenha mesmo ido embora. Como quem tenta fotografar um fantasma ou apanhar um pedaço de fumo...” (31).
Humphries marca o início do nascimento de um culto em torno do músico em 1979, quando a Island Records lança Fruit Tree. Era uma caixa antológica, reunindo a obra em disco de Nick Drake (os três álbuns lançados entre 1969 e 1972), juntando os quatro temas gravados nas sessões de 1974. O título da antologia foi sugerido pela mãe de Nick Drake, recordando o tom assombradamente profético que encontrara em Fruit Tree, canção do álbum de 1969 onde se ouvia:
Fame is but a fruit tree
So very unsound.
It can never flourish
Till its stock is in the ground.
So men of fame
Can never find a way
Till time has flown
A partir de uma certa altura Joe Boyd recorda que começou a receber pedidos vindos dos lugares mais variados. Pessoas que queriam saber mais sobre Nick Drake, dizendo-lhe o quanto a sua música os havia marcado e mesmo influenciado. Os pais, perante estas primeiras manifestações de carinho e atenção para com a música do seu filho, chegaram mesmo a deixar que alguns desses admiradores pernoitassem no seu quarto (em Far Leys) e autorizaram que fizessem cópias das suas gravações caseiras. Mal imaginando, naturalmente, o fenómeno de culto que surgiria mais tarde e que algumas das cópias que então haviam autorizado se transformariam em bootlegs (32) algum tempos depois. (33) “Depois começamos a receber solicitações sobre argumentos para cinema e biografias. E quando o anúncio da Volkswagen, com a canção Pink Moon, chega aos ecrãs de televisão americanos no final dos anos 90, havia já um culto de admiradores de Nick Drake, os seus discos vendiam ao ritmo de dezenas de milhar por ano e tornara-se moda para jovens cantores citá-lo como uma das suas influências” (34), descreve Joe Boyd.
O single dos Dream Academy |
Joe Boyd lembra que Nick ouvia Bob Dylan, Bert Jansch, Davy Graham, figuras dos blues como Josh White e Brownie McGhee, compositores como Delius e Chopin e nomes do jazz como Miles Davis ou Django Reindhardt. Entre as suas leituras recorda poesia inglesa. “Mas a análise das suas influências tem dificuldade em explicar a originalidade da sua música, em particular as formas dos seus acordes. Quando visitei a casa da família em Tanworth-in-Arden, vi um piano na sala com partituras sobre o seu tampo. A sua mãe, Molly, uma mulher bela, divertida e energética, referiu que ela tinha escrito umas ‘peças amadoras’. E muitos anos depois da morte de Nick e de Molly, Gabrielle deu-me uma cassete com as canções da sua mãe. Ali, nos seus acordes ao piano, estão as raízes das harmonias de Nick. A sua reinvenção da forma standard de afinação da guitarra era a única forma para estar em sintonia com a música que tinha escutado quando estava a crescer. As composições de Molly são datadas, mas muito belas e não apenas porque antecipam as de Nick. E o núcleo desta sua natureza musical talvez tenha sido tão forte porque as suas maiores influências não tinham nada a ver com o mundo fora de sua casa”. (35)
Made to Love Magic |
30 – Pin Up – Estrela cuja imagem (o que subentende uma boa aparência) pode ser reconhecida pelo grande público (a ideia ‘pin up’ refere-se ao pendurar de posters na parede)
31 - in Nick Drake – The Biography, de Patrick Humphries (Bloomsbury, 1997), pág 228
32 – Bootlegs – Gravações pirata
33 - in White Bycicles, de Joe Boyd (Serpent’s Tail, 2005), pág 262
34 – ibidem, pág 262
35 – ibidem, pág 263