domingo, abril 01, 2012

Nos 40 anos de 'Pink Moon' (2)


Iniciamos hoje a publicação integral de um texto sobre Nick Drake publicado no suplemento Q. do Diário de Notícias, assinalando os 40 anos da edição de 'Pink Moon'. O texto, com o título 'Como Nick Drake se transformou num ícone' foi publicado a 25 de fevereiro.

Editado a 25 de fevereiro de 1972, Pink Moon tornou-se com o tempo não apenas no mais bem sucedido dos álbuns de Nick Drake como numa referência maior da história da música popular. Despido à essência da relação da sua voz com a guitarra acústica que ele mesmo dedilhava, numa das canções aceitando a presença de um piano, Pink Moon é o mais realista e cru dos retratos de Nick Drake. Um disco que espanta depois pelos contrastes, certa que parece ser a melancolia e dor sob as quais nascem estas canções, luminosas sendo depois algumas frestas de esperança que brotam em alguns momentos do seu alinhamento.

“Dentro da limitada discografia de Nick Drake - especialmente dentro de Pink Moon – é possível (até com facilidade) estabelecer uma cronologia da sua depressão” (7), defende Amanda Petrusich. O seu livro adverte porém para o facto da sua irmã Gabrielle, que hoje gere o legado do irmão, defender que Nick Drake gravou Pink Moon num período de “remissão” da depressão e que não vê, por isso, o álbum como sendo um “artefacto” da doença. Gabrielle Drake explica mesmo que o irmão era incapaz de escrever e gravar quando sofria os períodos de depressão

O disco surge na sequência de um silêncio de 18 longos meses que o separam do mais vibrante Bryter Later, editado em 1970. Sentindo-se derrotado pela falta de resposta que a sua música gerara após dois discos editados entre 1969 e 70, Nick Drake regressara à casa dos pais em 1971. Segundo cita Paul Humphries em Nick Drake: A Biography, o músico terá então dito à sua mãe que tinha falhado em tudo o que tentara fazer. É visto por um psiquiatra em Londres mas muitas vezes recusa tomar a medicação. Vive então mais calado que comunicativo. E passa assim os dias.

É por isso surpreendente o caminho que abre a porta ao nascimento de Pink Moon. Em Outubro de 1971 telefona a John Wood, técnico com quem trabalhara antes e que desde sempre o tratara com particular atenção. Diz-lhe que quer fazer um novo disco. Wood marca sessões noturnas nos estúdios Sound Tecnhiques, dado que durante o dia o espaço estava já tomado. Monta os microfones, gravam sem mais ninguém por perto e, ao segundo dia de trabalhos, pergunta que tipo de arranjos pretende para as canções, ao que Nick Drake responde que não quer absolutamente nada, as gravações captando apenas a sua voz, guitarra e, pontualmente, o piano. E assim, em dois dias, Pink Moon estava pronto. Contam-se várias versões sobre como as fitas com o futuro disco terá chegado à editora, se deixadas na recepção por uma breve visita, quase anónima à editora, se dadas em mãos a Chris Blackwell (8)... Certo é que se retirou de regresso a casa dos pais, em Far Leys (9), mal as bobinas foram entregues.


As críticas na altura foram despidas de qualquer entusiasmo. “O mundo onde chega Pink Moon é sombrio e desolador. (...) O idealismo dos anos hippie (por essa altura reduzidos a um cliché) (...) tinha dado lugar ao hedonismo polissexual do glam rock (10) e as drogas pesadas abundavam. (...) Era um tempo particularmente mau para sofrer de uma depressão“ (11) diz Peter Hogan em Nick Drake: The Complete Guide To His Music, um panorama disco a disco e tema a tema da sua obra gravada.

Pink Moon é das canções mais belas (e célebres) de Nick Drake. De resto, Ao ser usada num filme publicitário da Vokswagen transformou-se num inesperado caso de popularidade. Road divide opiniões entre os que a encaram como umas canção sobre sobrevivência e os que a entendem como uma contemplação do suicídio. Possíveis marcas de uma crise de autoestima podem escutar-se em Parasite. Mas em temas como Things Behind The Sun ou From the Morning, que encerra o alinhamento, há sinais de um otimismo que sublinha contrastes com a tormenta que caracteriza um estado depressivo. De resto, não só a luminosidade destas canções em particular como o próprio facto de ter composto e gravado todo um álbum são possíveis indicadores de que, pelo menos por uma fração daquele tempo, viveu alguns dias menos assombrados.

“É um disco sem passos em falso, sem experiências ensaiadas, sem desvios desastrosos. As suas 11 faixas estão interligadas, cada qual trabalhando ao serviço de um todo maior. (...) É um disco sem falhas, talvez o único disco sem falhas” (12), defende Amanda Petrusich. A autora de um livro integralmente dedicado a este disco entende contudo que “é difícil separar as circunstâncias da criação de Pink Moon – o desconforto que passa pela voz de Nick Drake, o desespero das suas letras, o eco daquela forma de dedilhar, solene e fúnebre – (...) mas é igualmente difícil descontar o milagre perfeito que é a sua resistência ao tempo. A morte paira sobre Pink Moon, mas este é também um disco sobre a vida, a redenção. A popularidade póstuma de Nick Drake, se bem que cosmicamente injusta, é também um extraordinário testamento à resiliência da boa arte” (13).

7 - in Pink Moon, de Amanda Petrusich (Continuum, 2007), pág 3 
8 – Chris Blackwell (n. 1937) Editor discográfico britânico, fundou a Island Records onde Nick Drake gravou. 
9 – Propriedade da família Drake, em Tanworth-in-Arden, a sudeste de Birmingham (Reino Unido) 
10 – Glam rock – Movimento surgido em inícios dos anos 70 caracterizado por canções de melodismo bem vincado sob presença forte de guitarras elétricas, explorando visualmente a androginia e uma certa exuberância nas roupas e penteados. 
11 – in Nick Drake: The Complete Guide to his Music, de Peter Hogan (Omnibus Press, 2009), pág 54 
12 - in Pink Moon, de Amanda Petrusich (Continuum, 2007), pág 116 
13 – ibidem, pág 117