terça-feira, abril 03, 2012
Filmes pe(r)didos:
Promises Written in Water, de Vincent Gallo
por Rui Pedro Tendinha
Memórias de filmes afastados daquelas listas habituais que fazem a conversa de todos os dias. Filmes "perdidos". Ou se preferirem, "filmes pedidos"... Hoje lembramos Promises Written in Water, filme de 2010 de Vincent Gallo, que aqui é evocado por Rui Pedro Tendinha, jornalista e programador do Shortcutz e do Estoril e Lisboa Film Festival. Um muito obrigado ao Rui pela colaboração.
Um desejo de necrofilia com poesia. Em Promises Written in Water Vincent Gallo não tem medo da sombra de pecado do tema. Mas não há propriamente tema neste belo filme poema. Há um homem que fotografa a morte numa casa mortuária e uma mulher que quer morrer sem dor. Esse homem foge de uma outra vida de crime, é alguém que quer encontrar inconscientemente a beleza na morte. O que é mundo do Vincent Gallo? Aquele homem é Gallo? Suspeita-se que personagem e autor se confundam nesta espiral de obsessão romântica e negra. A morte, essa, filma-se com respeito. A cortesia, em larga escala, é de Masanobu Takayanagi, diretor de fotografia perito numa insistência de close ups que roçam o sublime, algures entre a intimidade do silêncio e a pureza do preto & branco. Uma alquimia de cinema que vai buscar o que de mais sagrado já continha as pulsões de Brown Bunny.
Mas no ato de escrutinar uma musa - a atriz Delfine Bafort - o poema de morte de Gallo também tem música. O som de Vincent Gallo, o músico. O resultado é uma experiência sensorial fracturante, tão zen como gélida. Só possível existir quando alguém filma em absoluto transe de loucura artística interdita. Por isso, as promessas de amor desta história contêm qualquer coisa de íntimo que não se explica. Filma-se o que está por detrás dos atos. Claro que é arte cinematográfica em estado puro, tão narcísica como evidentemente radical. Gallo gosta tanto de si próprio que teve coragem de fazer um filme apenas para quem gosta muito do seu rosto de cinema. Dele e desta descoberta chamada Delfine Bafort. Agora, depois de em Toronto ter sido aplaudido convictamente por um público que ficou drogado com estas imagens tóxicas, o filme nunca mais foi visto. Gallo acha que é uma obra para ser vista noutra década. Fica guardado. Filme maldito, filme segredo.