sexta-feira, abril 20, 2012

De Jorge Amado a Cecília Amado

Será que existe uma via possível para relançar no presente, não necessariamente os modelos, mas pelo menos a energia do Cinema Novo brasileiro? Capitães da Areia, de Cecília Amado (a partir do livro do seu avô, Jorge Amado), é uma resposta limitada, mas positiva, a tal interrogação — este texto foi publicado no Diário de Notícias (18 Abril), com o título 'Repensando a herança do Cinema Novo'.

O Cinema Novo brasileiro acabou há muito. Mas é um facto que a sua frondosa herança permanece disponível e, de algum modo, activa. Capitães da Areia, de Cecília Amado, é mais uma prova real disso mesmo: a sua recriação do romance de Jorge Amado envolve a procura de um realismo cru, sempre contaminado por uma forte pulsão poética, que não é estranho ao trabalho de autores marcantes como Glauber Rocha (Terra em Transe), Carlos Diegues (Bye Bye Brasil) ou Joaquim Pedro de Andrade (Macunaíma). Aliás, em boa verdade, assim se completa um círculo que começou no reconhecimento do escritor como uma figura tutelar dos próprios autores do Cinema Novo.
Acontece que o filme não evita outro tipo de contaminação formal que não pode deixar de limitar o alcance dos resultados. Capitães da Areia surge, assim, marcado por efeitos de condensação e “aceleração” que parecem resultar menos das necessidades da sua matéria temática e mais, muito mais, da colagem a uma certa formatação de raiz televisiva. É pena, tanto mais que há em alguns dos seus jovens actores um sentido de presença e uma capacidade de composição que justificavam outra atitude e, acima de tudo, alguma serenidade formal que valorizasse as suas qualidades.
Fica, além do mais, um sinal de produção que vale a pena registar: na estrutura que montou Capitães da Areia, surge o nome do produtor português Tino Navarro (MGN Filmes). Mais do que relançar os lugares-comuns mais remotos sobre a proximidade “natural” de portugueses e brasileiros, seria útil algum pragmatismo, lembrando que, também no caso do cinema, são as nossas diferenças que podem gerar outras e mais estimulantes alternativas de produção. Nesse sentido, Capitães da Areia é um pequeno exemplo, mas com um grande valor sintomático.

>>> Site oficial da Fundação Casa de Jorge Amado.