Naquele dia, fora da pequena cidade onde vivia, o mundo quase não deu pelo seu desaparecimento. Quando foi encontrado morto no seu quarto na casa dos seus pais, na manhã de 25 de Novembro de 1974, Nick Drake tinha a seu lado um exemplar de O Mito de Sísifo (1) de Camus e, no gira-discos, uma gravação dos Concertos Brandeburgueses de Bach. A seu lado um frasco vazio de comprimidos. Sem uma investigação forense maior, uma certidão foi emitida apontando envenenamento agudo por Amitriptilina como causa da morte. Como descreve Amanda Petrusich no livro que dedica ao álbum Pink Moon, a palavra “suicídio” surge discreta, entre parênteses, no fim da linha. Nick Drake não deixou qualquer nota de despedida. Pelo que a causa da sua morte é debate que nunca conhecerá resposta, havendo uma mitologia que defende que o jovem músico, então com apenas 26 anos, decidira o seu fim, outra acreditando numa tese de acidente provocado pela acumulação dos efeitos da medicação que tomava.
Um obituário foi publicado num dos semanários da imprensa musical britânica dias depois. Mas contra o cenário que assistiu aos recentes desaparecimentos de Amy Winehouse ou Whitney Houston, a morte de Nick Drake não desencadeou a curiosidade dos compradores de discos. Vivera praticamente longe dos olhares de todos e morrera quase invisível.
Tirando os três álbuns editados entre 1969 e 1972 e as gravações adicionais que com o tempo foram surgindo noutros discos e antologias, Nick Drake é uma figura cuja passagem pelo mundo teve ténue registo. Além das fotografias que dele conhecemos são raras as imagens em filme e poucas também as gravações da sua voz. Entrevistas deu muito poucas e escassos foram também os artigos que sobre ele a imprensa publicou quando era vivo. “Deixou muito pouco além do legado da sua música... Nunca escreveu nada, nunca manteve um diário, raramente escrevia até o seu nome nos livros que tinha. Era como se não quisesse que nada seu ficasse além das suas canções” confirmou em tempos Molly Drake, a sua mãe. (2) Contraste abissal com o que vemos no presente. Ao ponto de haver hoje vários livros dedicados à sua biografia e discografia, documentários (um deles com a voz de Brad Pitt (3)), várias edições discográficas e de ser certo um destaque transversal na imprensa musical sempre que surge nova antologia ou reedições.
Quase ignorado em vida, Nick Drake tornou-se com o tempo num fenómeno de culto e hoje as suas canções tanto moram em anúncios de televisão, como na banda sonora de filmes ou até na música ambiente de cafés (em Nick Drake: The Complete Guide To His Music, Peter Hogan conta que John Cale, que colaborou nas sessões de Bryter Later, disse uma vez que as ouve sempre que vai a um Starbucks). Entre os que já o mencionaram como figura que admiram contam-se nomes como os de Elton John, Peter Buck (R.E.M.), Matt Johnson (The The), Elvis Costello, Kate Bush, os Belle & Sebastian, Tom Verlaine ou Stephen Duffy ou atores como Brad Pitt ou Jennifer Aniston.
O que explica o seu estatuto? “A morte tem um papel em tudo isto, nem que pelo facto de o ter congelado numa juventude perpétua; a sua boa aparência nunca será atacada pela idade e a sua música nunca entrará em declínio. Com a dis–·”tância do tempo a timidez de Nick transformou-se num carisma enigmático e o seu destino infeliz é agora uma extensão natural do romantismo da sua música”, defende Peter Hogan. (4) Para Amanda Petrusich, “o (presumível) suicídio validou a sua música como o de [Kurt] Cobain (5) o faria quase duas décadas depois, conferindo às suas canções crédito e peso. E agora, quando ouvimos Drake a cantar sobre como se sente ansioso, solitário e invisível confiamos no seu desespero. Quando ouvimos Pink Moon é impossível não sentir morte, enorme e iminente, inevitável e infinita, cada vez mais perto” (6)
1 – Ensaio filosófico de 1942 de Albert Camus que reflete sobre o suicídio.
2 – in Pink Moon, de Amanda Petrusich (Continuum, 2007), pág 4
3 – De título ‘Lost Boy: In Search of Nick Drake’, emitido pela BBC 2 em 2004
4 – in Nick Drake: The Complete Guide to his Music, de Peter Hogan (Omnibus Press, 2009), pág 2
5 – Vocalista dos Nirvana e ícone maior dos anos 90, suicidou-se em 1994
6 - in Pink Moon, de Amanda Petrusich (Continuum, 2007), pág 3