Este é um cartaz promocional da quinta temporada da série Mad Men, a estrear brevemente nos EUA. Segundo um artigo publicado no New York Times, o seu aparecimento em diversas avenidas de Nova Iorque suscitou reacções, entre o choque a indignação, de familiares de pessoas mortas nos atentados de 11 de Setembro de 2001.
De acordo com os protestos, devia ter sido evitada a utilização de uma imagem que, para esses familiares, leva a evocar uma fotografia normalmente referida como 'The Falling Man' (Richard Drew/Associated Press), mostrando uma das vítimas que saltaram do World Trade Center.
Escusado será dizer que não é fácil (não é mesmo possível) ter uma visão ligeira desta situação. A sensibilidade dos familiares das vítimas envolve elementos de compaixão a que todos podemos ser sensíveis e o problema não se encerra se considerarmos (como também me parece natural e legítimo) que o produtor Matthew Weiner e os responsáveis pela série Mad Men não terão querido banalizar, muito menos anular, as memórias do 11 de Setembro.
Como é óbvio, o facto de a imagem aparecer exposta em zonas de arranha-céus não será indiferente às reacções descritas no artigo do New York Times. Ainda assim, vale a pena recordar que a mesma imagem do "homem-a-cair" está longe de ser uma novidade, uma vez que existe na série desde o primeiro episódio (emitido a 19 de Julho de 2007): é mesmo parte integrante de todos os episódios de Mad Men, uma vez que surge no respectivo genérico.
Independentemente das nuances que a situação envolve — a começar pelas diferenças da sua percepção dentro e fora de Nova Iorque —, manifesta-se aqui um vício interpretativo muito típico dos nossos dias. A saber: uma imagem teria uma espécie de sentido "autorizado" (pela sua origem, pelo seu valor simbólico, etc.) que não pode, ou não deve, ser posto em causa por nenhuma utilização dessa mesma imagem num outro contexto. Na prática, anula-se a especificidade do contexto como base essencial da significação e, no limite, revelador da responsabilidade de quem utiliza, reproduz ou difunde a imagem em questão.
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O caso, aliás, enreda-se ainda mais se lembrarmos o óbvio: nem sequer se trata da mesma imagem. Aquilo que se censura é o facto de uma imagem evocar outra. Ora, não é essa a própria história das imagens? A saber: nenhuma imagem se confunde com um sentido único, unilateral e definitivo (só mesmo algumas formas televisivas de fazer jornalismo acreditam em tal infantilismo semiológico). Cada imagem é uma nova entidade que, conscientemente ou não, entra na história de todas as imagens.
O que é, por exemplo, o Cristo de Mel Gibson?Em boa verdade, trata-se de uma imagem que tenta escapar-se à sua responsabilidade figurativa, escolhendo não a complexidade visual e conceptual do realismo, mas refugiando-se no mais vulgar "verismo" televisivo: isto é "tal-e-qual" o que aconteceu, logo apenas se pede ao espectador que "confirme" (o que aconteceu há 2000 anos???...), esquecendo o presente da própria imagem.
Algo bem diferente acontece na imagem crística de Madonna ('Confessions Tour'). Neste caso, sabemos para que referências a imagem remete, mas há nela algo de radical — entenda-se: de iconograficamente radical — que a subtrai a qualquer caução "imitativa". É uma imagem que diz: "Sou eu." Para a ideologia figurativa dominante, essa denúncia do falso ecumenismo das imagens e da sua existência, só pode ser intolerável.