Como vai a gestão económica de Hollywood? Este texto foi escrito antes da estreia (e do visionamento de imprensa) do filme John Carter, tendo sido publicado no Diário de Notícias (12 Março), com o título 'A economia não esgota os filmes'.
A indústria cinematográfica de Hollywood está suspensa do lançamento de John Carter, filme baseado na personagem de Edgar Rice Burroughs (a surgir ao longo desta semana nos ecrãs de todo o mundo). A maior parte dos artigos de antecipação são especulações sobre os seus custos astronómicos (fontes industriais indicam 250 milhões de dólares) e as respectivas potencialidades de bilheteira. Fala-se muito pouco da estreia de Andrew Stanton, realizador de À Procura de Nemo (2003) e WALL-E (2008), para além dos desenhos animados; quase não se refere a ascensão do protagonista, Taylor Kitsch, nome vindo da televisão; enfim, há uma indiferença cruel pela memória de Burroughs e dos seus escritos.
O filme será “bom” ou “mau”. Não é isso que está em causa. O que importa sublinhar é o modo como tais antecipações traduzem o triunfo de um conceito banalmente economicista do cinema, reduzindo o cinema a um labirinto de contas e estatísticas que exclui qualquer relação cinéfila com os filmes. Cinéfila, entenda-se: fundamentada em questões específicas do cinema, suas linguagens e representações, não na inventariação de recursos financeiros (ou tecnológicos).
Tudo isto decorre de uma conjuntura em que os mercados continuam a deitar fora aqueles que foram, durante décadas e décadas, os trunfos mais fortes (e mais sedutores, hélas!) de qualquer forma de expressão cinematográfica. Veja-se a recente estreia do admirável Cavalo de Guerra, de Steven Spielberg – até mesmo o nome do seu realizador, símbolo nuclear do projecto, perdeu a aura de outras épocas.
Algo de semelhante acontece com as temáticas universais que envolvem determinados filmes. O exemplo de Extremamente Alto, Incrivelmente Perto, de Stephen Daldry, é revelador: até que ponto as suas memórias do 11 de Setembro pesaram na sua imagem pública? E que dizer de Margin Call – O Dia Antes do Fim, de J. C. Chandor, um ensaio sobre as origens da crise financeira: será que passou para o público a noção clara de que há nele uma actualidade perturbante? Estes dois exemplos são tanto mais desconcertantes quanto ambos estão recheados de actores “oscarizados”: Tom Hanks e Sandra Bullock, no primeiro; Kevin Spacey e Jeremy Irons, no segundo.
Na prática, isto significa que há todo um território, indissociavelmente comercial e jornalístico, em que o cinema apenas é reconhecido como fenómeno mais ou menos ligado aos relatórios dos seus executivos. Escusado será lembrar que a dimensão económica dos filmes continua a ser um dado importante para compreendermos as dinâmicas de produção e difusão (e os seus efeitos nas opções temáticas ou estéticas). Em todo o caso, aquilo a que se assiste é incomparavelmente mais grave: a mobilização dos espectadores, não através daquilo que os filmes são, mas em função do lugar que ocupam nos relatórios de contas das respectivas empresas.