John Carter e Um Amor de Juventude não têm, obviamente, a mesma visibilidade concedida pelo mercado cinematográfico. É apenas um exemplo, mas há nele um fortíssimo valor sintomático — este texto foi publicado no Diário de Notícias (25 Março), com o título 'Para onde vão as histórias de amor?'.
Uma das evidências mais propaladas do actual mercado cinematográfico é a predominância de público jovem. Distribuidores, exibidores, sociólogos ou jornalistas, quase todos se colocam facilmente de acordo para proclamar esse estado de coisas (nacional e internacional): os mais “velhos” quase deixaram de ir ao cinema, sendo os mais “novos” a garantir a maior parte da frequência das salas.
É uma afirmação empírica, pouco (ou nada) enraizada em sistemáticos estudos geracionais do consumo cinematográfico (ao contrário do que acontece, por exemplo, no mercado americano). É, sobretudo, uma afirmação cuja pertinência carece de ser confrontada com o dia a dia do mercado e respectivas opções de fundo. Entre as muitas perguntas que vale a pena (re)lançar, surge desde logo a que envolve a própria visibilidade que é dada a alguns (poucos) filmes, em detrimento de (muitos) outros. Isto porque, salvo melhor opinião, não é indiferente que um filme seja lançado em 80 ecrãs ou em... dois.
Exemplo próximo. Nas últimas semanas, todos soubemos (promoção televisiva, cartazes, etc.) que John Carter, superprodução americana, ia aparecer em salas de todo o país. Quem, entre os consumidores que foram de alguma maneira tocados pela campanha de John Carter, soube do lançamento de Um Amor de Juventude, de Mia Hansen-Love? Como é óbvio, não adianta fingirmo-nos distraídos: mal ou bem, as diferenças de escala fazem parte da dinâmica do mercado e a ocupação das salas não pode ser desligada de opções de programação e do poder efectivo de cada uma das empresas.
Mas não é isso que, aqui, está em causa. É, isso sim, a contradição visceral de um mercado que diz uma coisa e... pratica outra. Porquê? Porque Um Amor de Juventude é um objecto (aliás, temática e esteticamente muito interessante) que coloca em cena, não entidades abstractas, mas aqueles que nos dizem ser os protagonistas essenciais do próprio mercado – esta é, de facto, uma convulsiva história de amor entre dois jovens. Porque é que Um Amor de Juventude não é, então, promovido de acordo com essas suas características? E, já agora, porque é que, por vezes, o jornalismo que reconhece nos jovens a fatia essencial do consumo cinematográfico está automaticamente disponível para qualquer John Carter com grandes campanhas e tende a “esquecer” um frágil filme francês assinado por uma cineasta com nome difícil de pronunciar?
Não é fácil lidar com estas questões, até porque nada disto envolve qualquer demonização automática de todos os grandes espectáculos provenientes de Hollywood (alguns deles, hélas!, ocupando um lugar nobre na história cinematográfica das últimas décadas). O que está em causa é de outra ordem. Tem a ver com o desconhecimento que, em termos gerais, o mercado revela em relação à pluralidade dos seus públicos. Desconhecimento e, pior que isso, indiferença.