1. Um dos aspectos mais perniciosos de alguma televisão contemporânea é o seu constante incitamento ao conflito. Raras vezes há confronto (de imagens, sons, ideias, etc.); quer dizer, raras vezes há espaço para o pensamento. Quase tudo é explorado através de um lamentável princípio de conflituosidade, favorecendo a redução do mundo a uma paisagem maniqueísta, dividida por uma inamovível fronteira entre "prós" e "contras".
2. Um exemplo recente nasceu com as brevíssimas imagens da Chelsea TV [video] no momento em que os jogadores do Chelsea tomavam conhecimento do sorteio dos quartos-de-final da Liga dos Campeões (onde irão defrontar o Benfica): durante 6-segundos-6, Drogba faz um gesto brincalhão, como quem está assustado com o facto de ouvir o nome do adversário... Tanto bastou para que, em vários países, desde inúmeros sites da Internet até alguns comentadores televisivos, se abrisse um gravíssimo dossier (?) sobre a "ofensa" perpetrada por esse "irresponsável" que dá pelo nome de Drogba...
3. Não deixa de ser curioso que, há décadas, seja chique considerar que a crítica de cinema vê delírios de significação nas imagens e nos sons. Na verdade, tais delírios (e respectiva estupidez) são todos os dias sustentados por agentes do universo televisivo, apostando em transformar-nos, não apenas em "analistas" compulsivos, mas também em polícias da moral dos outros. Como se fosse justificável abrir uma "guerra civil" mediática apenas porque um jogador de futebol, em ambiente de trabalho, partilha algum humor com os seus companheiros... Esta exponenciação do acidental diz bem do modo como a cultura televisiva (e seus prolongamentos jornalísticos, simbólicos e políticos) dispensa qualquer relação com o essencial.