Esta imagem é bem significativa da miséria iconográfica a que chegou o universo expressivo das telenovelas:
— simbologia primária e moralista
— banalidade formal abaixo do mais básico kitsch
— sentido pueril de composição
Como se isto não bastasse, injecta-se o público com doses diárias destes subprodutos que, há mais de três décadas, vão marginalizando para horários impossíveis quase tudo o que possa conter algum pingo de sensibilidade e inteligência (a começar, hélas!, pelo cinema).
Pensar o poder normativo da telenovela é, por isso, a prioridade das prioridades para qualquer discurso de política cultural que não desvie os olhos da realidade mediática portuguesa — as linhas que se seguem integravam uma crónica publicada no Diário de Notícias (3 Fevereiro).
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Andamos pela rua e deparamos com os gigantescos cartazes de uma nova telenovela da TVI (mas podia ser de qualquer origem). Uma das frases promocionais garante: “O desejo escondido, é o mais apetecido” (incluindo a disparatada vírgula). O mais espantoso não é o pueril filosofar do enunciado: já sabíamos que as telenovelas possuem a suprema arrogância de formatar tudo, ideias, emoções, até mesmo a moral dos outros. O mais espantoso é o à vontade com que se transformam banalidades deste género em slogans que invadem o país inteiro. Espero sempre que algum dos nossos políticos, dando provas do seu gosto de vigilância, venha protestar em nome da protecção das crianças... Mas não, estão ocupados a reflectir sobre o impacto social da televisão digital terrestre.