Afinal de contas, quem são, de facto, as pessoas que decidem o essencial dos Oscars? Recentemente, o Los Angeles Times [em cima: capa da sua revista dedicada aos Oscars] estabeleceu uma estatística dos membros da Academia de Hollywood que é, no mínimo, desconcertante — este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 Fevereiro), com o título 'Quem (não) vota nos prémios de Hollywood?'
Vale a pena recordar algumas vitórias bizarras nos Oscars dos últimos anos. Assim, por exemplo, em 1998, A Paixão de Shakespeare, pouco mais que um competente telefilme, obteve a distinção de melhor filme, deixando de fora o admirável O Resgate do Soldado Ryan, de Steven Spielberg (distinguido como melhor realizador); em 2002, Chicago, revisão banalmente retórica do género musical, foi eleito melhor do ano contra Gangs de Nova Iorque, de Martin Scorsese. Em boa verdade, tais discrepâncias não são de agora. Assim, por exemplo, quem se lembra desse musical muito académico que dá pelo nome de Oliver!, com realização de Carol Reed? Pois bem, arrebatou o Oscar de melhor filme de 1969, nada mais nada menos que o ano da obra-prima de Stanley Kubrick, 2001: Odisseia no Espaço (que nem sequer estava nomeado na categoria de melhor filme).
Escusado será dizer que seria banal arrogância supor que os mais de cinco mil mebros da Academia se devem submeter à “minha” (ou à “tua”) visão. Não se trata de discutir o problema no mero plano das escolhas, mas sim de colocar uma pergunta muito directa: afinal, quem escolhe?
O Los Angeles Times avançou recentemente algumas respostas, no mínimo, desconcertantes. Assim, o jornal realizou uma investigação no sentido de traçar o perfil demográfico dos quase seis mil membros da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, anualmente responsável pela atribuição dos Oscars. Não existindo nenhuma publicação oficial que dê conta de tal perfil, foram tidas em conta as características conhecidas de 5100 daqueles membros (cerca de 89% do total). Resultados: ficamos a saber, por exemplo, que mais de metade, 54%, têm mais de 60 anos e que 77% são do sexo masculino (isto para além de os brancos corresponderem a 94% do total). Claro que não faria sentido denegrir (ou elogiar, se fosse esse o ponto de vista) as escolhas da Academia em função destes números. Mas é inevitável questionar a sua representatividade. Quando mais de metade do colégio eleitoral da Academia já passou os 60 anos, o mínimo que se pode dizer é que lhe falta representatividade. E tanto mais quanto as muitas transformações da produção de Hollywood na última década (em especial a partir de O Projecto Blair Witch, lançado em 1999) têm sido, melhor ou pior, lideradas pelos mais novos.
Claro que o peso de muitos veteranos (lembremos os casos modelares de Clint Eastwood e Martin Scorsese que têm, respectivamente, 81 e 69 anos) é um factor nuclear da vitalidade criativa de Hollywood. Mas importa avaliar até que ponto os Oscars têm condições para reflectir de forma pertinente a pluralidade interna de uma indústria em que, do academismo ao experimentalismo, dos grandes estúdios aos independentes, continua a haver de tudo um pouco.