sábado, fevereiro 18, 2012
Em conversa: Pet Shop Boys (em 2006)
Recordamos hoje uma entrevista com os Pet Shop Boys originalmente publicada nas páginas da revista 6ª, publicada com o DN. Esta conversa com Neil Tennant ocorreu em 2006 por alturas da edição do álbum Fundamental.
Passaram 20 anos desde o momento em que West End Girls foi o vosso primeiro êxito. O que os mantém ativos e entusiasmados?
Porque somos assim mesmo... Creio que não esgotámos as ideias, e gostamos muito do que fazemos. Temos uma relação criativa muito boa e trabalhar juntos é sempre entusiasmante. E trabalhamos muito. Estamos permanentemente a escrever...
E são personalidades aparentemente opostas. Ao escutar os discos que fizeram para a série Back To Mine essa ideia ficou até bem evidente...
Se ouvirmos os dois discos que fizemos para a série Back To Mine ao mesmo tempo, podemos repara que ali estão os Pet Shop Boys. Ou seja, está a li a batida de dança, mas também os ambientes mais delicados feitos de electrónicas ou elementos clássicos. E isso é o que somos. Temos alguns gostos parecidos... Encontramo-nos, por exemplo, na Dusty Springfield. Mas temos também gostos diferentes e se os juntarmos o que temos são os Pet Shop Boys.
Sempre foram assim?
Escrevemos canções juntos há já 25 anos, e aprendemos muito durante este tempo, sobretudo sobre música. Quando conheci o Chris, em 1981, tinha 27 anos, mas já fazia canções desde os 12. Todavia não sabia nada de música de dança, de fundos rítmicos, de linhas de baixo... Sabia o que eram acordes, melodias e palavras. O Chris tinha formação clássica, completamente diferente da minha. Eu tocava as canções dos Beatles pelos acordes. Ele não o conseguia fazer dessa maneia... Tinhamos maneiras completamente diferentes de abordar a música e, de certa maneira, complementámo-nos.
Apesar de terem uma carreira vasta, o vosso álbum de referência é talvez Pop Art, o best of... Isso incomoda-vos?
De modo algum, até porque quando começámos tinhamos em mente a ideia de ser uma banda de singles. Mas isso creio que mudou um pouco nos anos 90. Tornámo-nos uma banda diferente, talvez por termos ganho mais experiência musical. A minha técnica de escrita de letras melhorou tecnicamente. E começámos a fazer álbuns mais ambiciosos. O Bilingual, por exemplo, é um disco claramente ambiciosos. E hoje, ouvi-lo de novo soa a qualquer coisa fresca, mesmo que estranha, diferente e mesmo sombria. A faixa de abertura, Discotheque, creio que é das melhores coisas que alguma vez fizemos. Em Fundamental chamámos de volta a nossa sensibilidade pop. Talvez não deliberadamente, mas decidimos fazer canções pop. O que não impede que tenha momentos mais sérios como o Lunar Park, que está o limite da seriedade para nós.
E é um disco com um profundo sentido de humor...
Neste disco decidimos que não íamos ter medo do humor nem de ser irónicos. É fácil ter medo... Escrever boas canções melódicas e imediatas é mais difícil que escrever qualquer coisa mais sofisticada e inteligente. Gosto do refrão do Minimal, onde soletro as letras. Assim como gosto do refrão do I’m With Stupid, que se agarra... E isso não é fácil.
A música pop tem tido uma relação difícil com o humor? Há gente séria demais?
A única pessoa que fazia humor, e já deixou de o fazer, era o Eminem. Era bem divertido... Curiosamente, uma das canções mais bem humoradas do nosso último álbum, Release, era sobre Eminem, dizendo que era gay. Neste álbum também há muita ironia, nomeadamente no I’m With Stupid.
O humor não se limita às palavras, mas também à encenação. Em 1993 trabalharam com Jennifer Saunders e Joanna Lumley (Absolutley Fabulous). Para o vídeo de I’m With Stupid convidaram a dupla que faz Little Britain...
Se a coisa funciona com a nossa estética, então é uma boa ideia. O David Walliams e o Matt Lucas também são um duo e, de certa maneira, o Little Britain tem o seu lado Pet Shop Boys. Dois tipos, um mais baixo...
Um exuberante e outro calado...
Precisamente... Lembra-me os Pet Shop Boys.
E o que diz da forma como vos parodiam no teledisco?
Adorei! A ideia voi do Matt Lucas, e creio que resulta. Creio que mesmo que não se conheça o programa deles, é suficientemente intrigante e estranho por si só... Está muito bem filmado.
Corre, na imprensa, a ideia que Fundamental é o vosso álbum político. Mas desde sempre foram uma banda política!
Concordo. No nosso segundo álbum há uma canção sobre o Thatcherismo, o Shopping. Há o Kings Cross sobre os marginalizados. O It Couldn’t Happen Here sobre a disseminação da sida... Sempre houve referências políticas, até mesmo gratuitas quando cantamos “Che Guevara and Debussy to a disco beat” [em Left To My Own Devices]... O It’s Alright chegou no tempo certo, em 1989... As nossas antenas políticas sentiram que o mundo estava em mudança, e esse era um disco espantoso para editar nessa altura. Falava-se da guerra iminente, que aconteceu... Da libertação de Mandela. Mais tarde, o DJ Culture, que foi um êxito massivo, era uma canção claramente política sobre a guerra no golfo... E foram sempre políticas as canções sobre a Rússia, como o My October Symphony.
Mas vivemos hoje um mundo bem diferente do que conhecíamos quando há 20 anos editaram o vosso primeiro álbum...
E por isso tentámos, nas canções, captar a atmosfera deste mundo em 2005 e 2006. Uma atmosfera de medo. Medo de terroristas invisíveis que estão entre nós. E essa é a realidade. Uma realidade que existe na América e em Inglaterra para nos tirar a liberdade. Uma realidade que trabalha a favor do governo e não contra ele. A única área em que George W Bush tem boa popularidade, e mesmo assim já não tão evidente, é na guerra contra o terror. Uma guerra que ele declarou. E nunca se deve declarar uma guerra que nunca acabará. É ridúculo... Quando o IRA rebentava bombas em Londres, nos anos 70, ninguém lhes declarou guerra. O que só iria justificar a sua existência! Dar-lhes uma importância e sentido... Em Espanha ninguém declarou guerra à ETA! O que George W Bush faz foi legitimar o terror!
Esta é uma guerra política?
De certa maneira chega-se a um ponto em que governos e terroristas fazem com que as pessoas tenham menos liberdade. A agenda é lançada por uma cedência que temos de fazer contra a nossa liberdade, em favor desta guerra mítica. E as pessoas contra quem se luta, fundamentalistas islâmicos, também querem reduzir a liberdade.
Há um ano apresentaram a banda sonora de um filme, O Couraçado Potemkin [de Sergei Eisenstein], que na sua origem tinha uma agenda política. Como a demarcaram do vosso trabalho?
Quando nos pediram para fazer a banda sonora, recordava-me que o filme tinha sido usado como propaganda comunista. E eu não aprovo o comunismo soviético... Mas este não era um filme sobre a revolução Bolchevique, mas sim sobre um incidente em 1905. E no fundo fala de uma luta das pessoas contra a opressão. E esse é um assunto atemporal, com o qual sempre nos identificaremos. E por isso acedemos em fazê-lo. Espanto-me até como é que, depois, o filme continuou a ser exibido na própria União Soviética, com as crises que se viveram... Aquele filme é uma ameaça para qualquer estado autoritário.
Ficou satisfeito com o vosso trabalho?
Muito. Apresentámos novamente a música ao vivo há poucos dias, e voltaremos a fazê-lo, brevemente, em Julho, no festival de Valência, em Espanha.
Há alguma possibilidade de editarem um DVD com a vossa banda sonora alternativa?
Queremos fazê-lo, mas sempre foram levantados problemas com os direitos... Mas na última semana soubémos que o filme está já no domínio público. Por isso quem sabe se, agora, podemos avançar...
Em tempos fizeram um filme, It Couldn’t Happen Here. Tencionam voltar a experimentar o cinema?
Creio que o trabalho que fizemos para o Couraçado Potemkine tem mais a ver com o que pretendemos fazer hoje em cinema. E que está na linha do que já tinhamos feito com o Derek Jarman. Sempre houve ligações muito fortes entre a música dos Pet Shop Boys e o cinema.
Os telediscos satisfazem as vossas necessidades de imagem para a música?
Sim, de certa maneira. Mas o que mais gostei no trabalho para o Coraçado Potemkin foi o facto de termos imagens puras, sem som, que inspiraram por si a música. Os telediscos ilustram, por sua vez uma canção. O Couraçado Potemkin não tinha diálogos, nem a banda sonora que fizemos tem nada a ver com o que se ouve nos filmes de Hollywood.
Têm uma vasta obra de telediscos, da qual se destaca, pela diferença, o ousado filme realista, com ratos numa estação de metro, usado para ilustrar Home And Dry... É curiosamente anti-pop.
Era a tentativa de fazer algo numa estética completamente diferente. E até esperei que tivesse interesse para muitos pelo seu valor enquanto novidade. Mas penso que se tivessemos filmado em película, com outro orçamento, poderíamos ter conseguido um teledisco mais apetecível para as televisões. Mas para o ser tinhamos de o fazer mais lindinho... Mais pop. Era cru, muito fiel à ideia original... O realizador passou horas na plataforma da estação, bem tarde, para conseguir aquelas imagens. E só passou na Rússia!...
Neste momento preparam um livro sobre o vosso artwork...
Recolhe todas as capas, os vídeos, as produções de palco. Sai pela Thames And Husdon.
Como descreveria as características fundamentais vosso trabalho visual?
Simplicidade e beleza... Não gostamos de design gratuito.
No novo álbum voltam a trabalhar com Trevor Horn, com quem tinham já gravado Left To My Own Devices em 1988. Porque o escolheram?
Começámos por trabalhar com ele numa canção chamada Numb, que estava destinada para o best of em 2003, e que acabou por não ser usada. Guardámo-la para este disco. Resolvemos produzir mais canções com ele quando começámos a trabalhar neste álbum. Mas estavam todas a nascer com uma face épica, que não era bem o que tinhamos pensado fazer... Até que decidimos fazer todo o disco com ele. Criar um álbum como o dos Frankie Goes To Hollywood ou ABC, concebido sob uma ideia... Ele tem uma maneira de trabalhar diferente da nossa, mas respeita as nossas ideias. Mas houve alturas em que lhe tivemos de dizer que não queríamos ali guitarras, porque somos um grupo electrónico. Ele contribuiu muito para o Sodom And Gomorrah Show. Sem ele a canção teria sido um simples quatro por quatro à Pet Shop Boys. Ganhou uma dimensão quase... rock!
Um single potencial?
Creio que poderá ser. Mas a EMI não o quis como single de avanço...
Com medo do título?
Recearam as conotações gay... Mas disse-lhes que era uma história bíblica! Mas a razão pela qual não foi single foi o facto de ser uma canção muito longa. Tem cerca de cinco minutos. E quando tentámos fazer um radio edit reparamos que não funcionava. Esta é uma daquelas canções em que tudo faz parte de uma mesma viagem. Não se pode cortar. No It’s A Sin, se cortássemos a introdução, a canção não teria sido tão boa. Mas vamos regressar a estúdio para ver se encontramos uma solução radical para esta canção...
Acha que o facto de ter deixado clara a sua homossexualidade numa entrevista à Attitude nos anos 90 afetou de alguma forma a carreira dos Pet Shop Boys?
Penso que os media funcionam por clichés, que nem vale a pena tentar contrariar. Dantes o cliché que nos era apontado era o facto de sermos a banda que não sorria. Apesar de sorrirmos, corria que éramos uns tipos demasiado sérios e que não faziam nada no palco. Depois dessa entrevista, passámos a ser o duo camp... As pessoas passaram apenas a prestar atenção ao que fazíamos porque éramos gay... Mas penso que o mundo mudou de novo, e esse já não é o assunto na ordem do dia... Mas foi frustrante, sobretudo porque penso que a sexualidade não é assim tão importante. E para muitos nossos fãs, a maioria deles heterossexuais, era igualmente frustrante.
De resto, um pouco como em Morrissey, algumas letras dos Pet Shop Boys sempre permitiram leituras essencialmente ambíguas...
Completamente!... Pelo menos sempre esperei que assim fosse. As pessoas esquecem-se que, se canto sobre um homem, o que até raramente faço, o posso até estar a fazer do ponto de vista de uma mulher. Como acontece no I Made My Excuses And Left deste álbum. É um ponto de vista completamente diferente.
Antes de ser músico foi jornalista musical. Que retrato faz da pop nos dias de hoje, como contraste aos dias pós-punk em que trabalhou como jornalista.
Os ídolos fabricados pela televisão são um problema real. Porque estão entre nós... E é um fenómeno a acontecer por todo o mundo. Em Espanha, a dada altura, oito dos álbuns no top ten eram de concorrentes destes concursos. E essa não é uma música criativa. De resto, chamo-lhe água de lavar pratos... E está a dar aos miúdos uma ideia errada do que é a música. Mas neste momento também há muito mau rock por aí. Às toneladas... Mas quando gosta de simplicidade e beleza, este não é o tempo ideal para muitas coisas...
Trabalharam recentemente com Madonna, que juntamente convosco é uma sobrevivente de uma velha tradição pop. São espécie em vias de extinção?
Creio que há mais gente a trabalhar nessa tradição. De resto nem há uma, mas várias tradições na pop. Nos anos 60 havia a pop pura, a pop mais rebelde dos Who... Depois, nos anos 70, o punk... Havia a tradição showbiz... O álbum que mais vendeu na década de 60 foi a banda sonora do filme Música No Coração. Todas essas tradições coexistem. Há grandes sobreviventes, como o Paul McCartney, David Bowie, Elton John. Madonna, nós e George Mochael nos anos 80... Nós e a Madonna estamos talvez num campo comum, o da pop influenciada pela música de dança e que toma posições bem pessoais. E depois, na nova geração há uns The Streets, de que gosto. E
ele expressa-se, se bem que usando o hip hop...
Há os Gnarls Barkley...
O single deles é um clássico. Como o é o Hey Ya dos Outkast...