Pioneiro do techno, Kevin Saunderson passou na última semana por Lisboa. E hoje deixamos aqui uma conversa com o músico, DJ e produtor que foi originalmente publicada na edição online do DN com o título 'Uma canção é sempre uma canção'.
É um dos mais reconhecidos pioneiros da música de dança feita com eletrónicas. É mesmo visto como um dos pais do tecnho... Como se vive com o peso desta herança?
Continuei a viver a música. A música está no meu sangue. A música foi evoluindo por vários caminhos... Não foi difícil...
Qual foi o peso da tecnologia na evolução desta música?
A tecnologia é decisivamente importante nesta música. Mas há um lado humano que devemos considerar. Porque o verdadeiro impacte desta música tem a ver com as emoções. E foi assim que as coisas evoluíram para lá de Detroit.
O que havia para fazer de Detroit o berço do techno? Porque nasceu esta música ali e não outra cidade?
Aquele foi o tempo para aquela música nascer. Havia uma figura que seguíamos e que nos inspirou. Era um DJ de rádio [o DJ Charles Johnson] que conhecíamos como Electrifyin' Mojo. Era único. Tocava música de uma forma bem diferente do que era tradicional. Isso ajudou bastante. Mais que qualquer outra coisa.
O que o atraía mais na música que ele apresentava? O seu apelo futurista?
Era o som.... O som! Era aquele som que me atraía. Fazia pensar no que seria o futuro... Era muito sintético. Era um som que não era necessariamente uma música de dança. Era um som com uma forma diferente. Era definido por outras linhas, criava toda uma nova sensação...
Por algum tempo foi um fenómeno local. Mas como chegou depois ao resto do mundo?
Era um som tão poderoso, tão único... Definiu novos caminhos para a música. Era DJ friendly... Abriu caminho a novas experiências
O apelo da canção, no caso dos Inner City [banda que Kevin Saunderson formou em 1987 e com a qual teve êxitos monumentais em 1988 ao som de Big Fun e Good Life], teve algum peso na globalização do techno?
Foi mesmo muito importante. Abriu os ouvidos das pessoas e também das editoras discográficas.
Foi frustrante o quase silêncio que vos era votado antes dos Inner City? Já havia vários discos editados, mas a sua visibilidade não era de todo a mesma...
Não seria exatamente frustrante porque nem era uma coisa pessoal. Para mim era música. E gostava daquilo que estava a fazer. E os discos até apareciam nas lojas... Mas não falaria de frustração.
O que mudou com os Inner City?
Muita coisa, de facto. E foi muito rápido. Mas a coisa seguiu o seu caminho. Mas nunca deixei o contacto com os movimentos underground, que continuavam a existir. Mas a música era a que era e eu mantive-me o mesmo. Era importante ter mais visibilidade.
O final dos anos 80 foi marcante para a música de dança. Já havia música de dança antes. Até mesmo o disco. Mas porque só então ganhou o respeito transversal, visibilidade e volume de vendas que então mereceu?
As coisas exigem tempo. Muitas vezes ouvimos uma faixa vezes sem fim e o tempo faz com que as coisas soem depois de maneira diferente. O tempo para a tecnologia evoluir, para o som evoluir... O disco ainda se ouvia muito, e eu gostava de disco... Mas era uma coisa muito sincopada... E sugeria sensações diferentes.
O cinema de ficção científica terá tido algum peso na abertura do interesse das pessoas a este som mais sintético?
Não sei... Não creio que tenha tido. Para mim era mais o fazer daquelas canções com aqueles elementos. Trabalhar com caixas de ritmos e sequenciadores. E depois, ainda por cima, não havia regras. Eu não era músico, não sabia nada de solfejo... Mas sabia o suficiente para poder experimentar. Para me poder transformar num produtor. Porque sentia a música. E essa maneira se sentir abriu o caminho para explorar aquelas ferramentas, compreender aquilo com que estava a trabalhar, podendo assim fazer música com o que mais me inspirava. E soar como nada mais soava.
Ia a discotecas? Ou ouvia mais música na rádio?
Ouvia mais música na rádio. Também fui ao Garage quando passei por Nova Iorque... Mas fui lá umas quatro ou cinco vezes. E em Detroit mal saía à noite. Pelo menos para clubes.
Quais foram os primeiros sons de música eletrónica que se recorda de escutar na rádio?
Acho que foi nos inícios dos anos 80... Com os Cybotron [projeto de Juan Artkins e Rick Davis]. E foi por essa altura que comecei a ouvir também coisas como os Kraftwerk e New Order. Nem podia acreditar que se fazia música como aquela. Tão cool! Tão refrescante e relaxante ao mesmo tempo...
Mas nem toda a gente reagia assim. Houve um tempo em que a música electrónica era encarada com ceticismo por algumas pessoas...
Eram pessoas com medo da tecnologia. Não a compreendiam. E chamavam-lhe nomes feios. Que não era música... Era uma reação de medo a algo que sentiam como uma ameaça. Mas era apenas música. Quando as pessoas dizem que a música não é como dantes lembro sempre que muita coisa aconteceu pelo caminho. Respeito as opiniões, mas a história faz-se assim. E, no fim, uma grande canção é sempre uma grande canção.