terça-feira, fevereiro 14, 2012
Dois olhares (bem) diferentes
Biopic após biopic a quantidade de vidas reais de que o cinema vai dando conta aumenta de ano para ano. Porém, e num tempo em que o cinema documental atinge substancial quantidade de produção e grande diversidade de visões, cabe a quem os faz (aos biopics, entenda-se) o desafio de saber retratar e refletir sobre as vidas de quem se fala com um ponto de vista. Em cartaz temos neste momento dois biopics centrados em figuras cujos nomes moram na história dos mais poderosos do século XX. J Edgar Hoover, longos anos à frente do FBI. E Margaret Thatcher, a “dama de ferro” (como lhe chamaram os mais amigos de cognomes), que comandou os destinos do Reino Unido entre 1979 e 1990. E não podiam ser filmes mais diferentes.
Com alma achada no belíssimo argumento assinado por Dustin Lance Black (o mesmo que assinou o de Milk, que Gus van Sant realizou) J Edgar não procura ser o mais factual “era uma vez” do homem que fez do FBI a força em que se tornou, que fazia temer presidentes e que fez da informação uma arma em seu favor. Também A Dama de Ferro tenta não ser apenas a crónica da filha de um merceeiro que chega a Oxford e, depois, ao número 10 de Downing Street. Mas enquanto em J Edgar Clint Eastwood tece a caracterização de um homem dividido entre uma missão de dedicação absoluta ao trabalho e a tormenta de uma vida pessoal que, mesmo perante a presença constante e próxima de Clyde Tolson nunca atinge a aquela plenitude que faz alguém feliz, em A Dama de Ferro Phyllida Lloyd perde-se entre a vontade em olhar a idosa doente que vive assombrada pelo que perdeu e o conta-me como foi em episódios rápidos (e superficiais) da sua biografia.
Há duas grandes interpretações em ambos os filmes. Leonardo DiCaprio veste um Hoover que mostra mais que o “monstro” temido que tinha em seu poder imagens que podiam comprometer a mulher de Roosevelt ou gravações que, se reveladas, em nada ajudariam a imagem de Kennedy. Revela antes o homem “pequeno e cruel” (como numa cena fulcral lhe chama Clyde) assombrado pela forma como acabou moldado por uma mãe dominadora e incapaz de se libertar de toda uma carga de culpa que carregou até ao último dia. Como não houve aqui nomeação para os Oscares? Na verdade, como falha a J Edgar a nomeação para Melhor Argumento Original, Melhor Realização e Melhor Filme? (bom, não são as únicas “falhas” do ano...)... Em A Dama de Ferro Meryl Street chama a si o melhor do filme a decomposição da personagem entre a segurança de quem prepara a ascensão ao poder e a perda de faculdades na velhice sublinhando os escassos momentos em que a visão de Phillyda Lloyd ganha fôlego. J Edgar mostra um cinema com marcas de autor (bem evidente a presença de Lance Black) na escrita. A Dama de Ferro passa perto de uma história, mas deixa a personagem a meio do caminho de ser mais que um esboço. A atriz ajuda, mas o ferro não mora ali.