quarta-feira, janeiro 18, 2012

O melodrama segundo Téchiné

Francês, herdeiro de Max Ophuls, Jean Renoir e François Truffaut, André Téchiné persiste (e bem) no labor melodramático — este texto foi publicado no Diário de Notícias (16 Janeiro), com o título 'A arte perdida do melodrama'.

A degradação “telenovelesca” do espaço audiovisual exprime-se através de um contínuo desrespeito pelo classicismo cinematográfico. Assim, por exemplo, desde o mais banal senso comum até alguns discursos jornalísticos, a palavra melodrama passou a ser associada a um convencionalismo superficial e anedótico. Como todos os preconceitos, também este se alimenta de uma imensa ignorância histórica: como fazer a história do cinema sem considerar a beleza e a inteligência dos seus melodramas? De David W. Griffith a Woody Allen, passando por Max Ophuls, Vincente Minnelli ou François Truffaut, a escrita melodramática constitui um património de fascinante riqueza e complexidade, continuando a questionar-nos e, em particular, a questionar a nossa relação com o presente.
A estreia do mais recente filme de André Téchiné, Imperdoáveis, mesmo não sendo das suas obras mais perfeitas, confirma-nos a filiação do cineasta nesse espaço do melodrama, quer dizer, num sistema de narrativas em que as componentes afectivas se expõem sempre como elementos de uma complexa dinâmica social. Ao mesmo tempo, não há aqui nenhuma cedência a uma certa sociologia de bolso que tudo reduz a determinismos típicos de debate televisivo: as relações sociais apresentam-se indissociáveis das emoções das personagens, abrindo-se aos enigmas do inconsciente.
O filme é tanto mais interessante quanto consegue também contrariar o cinismo “romântico” que reduz as histórias de amor a um privilégio narrativo da juventude (chega a ser assustador o que, nas nossas sociedades, se faz em nome da “juventude”...). As personagens principais de Imperdoáveis são mesmo dois adultos já para além dos 50 anos: ele (André Dussolier), um escritor que decide instalar-se em Veneza, ela (Carole Bouquet), uma agente imobiliária que tenta arranjar-lhe uma casa. O seu envolvimento vai desenvolver-se num duplo sentido: lidando com a surpresa do seu amor, enfrentando as dúvidas sociais ou familiares que a sua ligação suscita. Mais do que uma “descrição” sentimental, Téchiné procura esses momentos em que as personagens deparam com uma diferença visceral: a que se revela entre os seus desejos e a percepção pública da sua relação.
A existência do melodrama está também condicionada pelas opções dominantes do mercado. E não apenas pelos títulos exibidos. Também pela visibilidade promocional que lhes é conferida. No caso de Téchiné, por exemplo, desde Os Tempos que Mudam (2004) que os seus filmes não chegavam às salas portuguesas, mantendo-se inéditos Les Témoins (2007), crónica vibrante dos anos 80 marcada pela descoberta da sida, e La Fille du RER (2009), subtil recriação de um fait divers parisiense. Agora, pelo menos, com Imperdoáveis, podemos reencontrar um dos mais importantes autores do cinema francês das últimas quatro décadas.