De que falamos quando falamos do Irão? Ou da Pérsia?... E o que pode ser a história de um divórcio vivido no presente iraniano? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (18 Dezembro), com o título 'Um divórcio em tom iraniano'.
Num dos seus sketches, Omid Djalili, cómico britânico de ascendência iraniana, traçava uma curiosa linha de separação. Assim, quando se fala em “Pérsia” (nome pelo qual, durante séculos, o Irão foi identificado pelos ocidentais), temos tendência em evocar tapetes, exotismo e uma sofisticação mais ou menos misteriosa. Mas se dizemos “Irão”, pensamos logo em terroristas de cabeça tapada e uma bomba à cintura...
Semelhantes lugares-comuns podem servir de mote para aquilo que está em jogo face a Uma Separação, o admirável filme iraniano de Asghar Farahdi que, no passado mês de Fevereiro, arrebatou o Urso de Ouro do Festival de Berlim. Trata-se, afinal, de saber até que ponto o nosso olhar, marcado pela formatação mediática com que tantas vezes são tratadas as sociedades do Médio Oriente, será capaz de olhar para Uma Separação, não para “confirmar” um qualquer esquematismo ideológico ou moral, antes para lidar com um... melodrama.
Porque é de uma crise conjugal que se trata, bem típica da longa e multifacetada tradição melodramática. Leila Hatami e Peyman Moaadi (magníficos actores, também premiados em Berlim) representam um casal atingido por uma crise que parece encaminhá-los para um irreversível divórcio: a mulher quer sair do país, considerando que a filha, de 11 anos, deve crescer noutro tipo de ambiente, enquanto o marido resiste à ideia, tanto mais que insiste em continuar a acompanhar o seu pai, atingido pela doença de Alzheimer; quando um tribunal decide que não há motivos suficientes para ser exarado um divórcio, a mulher sai de casa e o marido contrata uma criada para tratar do pai...
Este resumo simplifica a complexidade emocional e social do argumento do filme, também assinado por Farahdi. Em todo o caso, nele detectamos uma decisiva componente temática: encontramos aqui uma visão subtil do universo feminino e, em particular, das suas formas de dependência de laços (conjugais e simbólicos) organizados em função do poder masculino. Mais do que isso: Farahdi possui o tacto suficiente para não corrigir um maniqueísmo com outro maniqueísmo, traçando um retrato do marido que envolve uma singular e, por vezes, tocante vulnerabilidade.
Uma Separação constitui um excelente exemplo do grande cinema que continua a chegar às salas portuguesas e que, de um modo geral, tem uma visibilidade mediática, sobretudo televisiva, muito inferior a todos os produtos americanos sustentados por grandes campanhas promocionais (viu-se, por estes dias, com a proliferação de notícias sobre o novo capítulo de Missão Impossível). Escusado será dizer que nenhum filme se “mede” pela dimensão da sua campanha, além de que a cinematografia americana continua a ser um universo tão contrastado quanto fascinante. Acontece apenas que as convenções da publicidade natalícia não são uma boa razão para ignorar um filme tão brilhante como Uma Separação.
>>> Uma Separação: site oficial para o lançamento nos EUA.