Com A Toupeira, o cineasta sueco Tomas Alfredson consegue convocar, de forma feliz, as referências eminentemente britânicas do universo de John le Carré — este texto foi publicado no Diário de Notícias (22 de Dezembro), com o título 'O tempo e a velocidade dos espiões'.
Há qualquer coisa de insensato no projecto de adaptação de Tinker Tailor Soldier Spy, de John le Carré, entre nós chamado A Toupeira. Desde logo porque se aposta numa minuciosa definição de ambientes, em tudo estranha aos correntes filmes de espionagem, dependentes da acumulação gratuita de “efeitos especiais”. Depois porque as memórias cinéfilas da personagem de George Smiley possuem uma paradoxal dimensão televisiva (a série protagonizada por Alec Guinness), sendo, muito provavelmente, ignoradas pela maioria dos espectadores que frequentam salas de cinema. Enfim, porque o realizador sueco Tomas Alfredson, autor de um insólito filme de vampiros (Deixa-me Entrar, 2008) surgia como uma escolha “exterior” ao universo anglo-saxónico.
O certo é que A Toupeira sabe respeitar a complexidade das suas personagens. A excelência do elenco não é estranha ao equilíbrio dos resultados, não só porque Gary Oldman compõe um subtil Smiley, não enfeudado à herança de Guinness, mas também porque todos os outros (Colin Firth, John Hurt, Tom Hardy, Toby Jones, etc.) conseguem sugerir a singularidade de cada personagem, mesmo quando a sua presença no ecrã é muito breve ou intermitente.
O filme resulta tanto mais simpático quanto se afirma completamente fora de moda. A “lentidão” dos seus movimentos e deambulações poderá exasperar os espectadores que foram condicionados a considerar que só acontece alguma “coisa” num filme se houver pelo menos duas explosões por minuto... Mas é esse precioso sentido da duração que confere um especial encanto a um filme como A Toupeira: quando aceitamos saborear o seu tempo tão peculiar, compreendemos que, afinal, tudo acontece a uma velocidade vertiginosa.