* Que vemos, afinal, nas lágrimas de Elsa Fornero, ministra do Trabalho do novo governo italiano? Ao anunciar as novas medidas de austeridade, Fornero começou a chorar, sendo incapaz de continuar o seu discurso (disse, mais tarde, que ficou bloqueada na palavra sacrifício) e levando o primeiro-ministro Mario Monti a concluir a sua intervenção.
* Que vemos, de facto?
* É difícil dizer o que vemos, já que não nos é possível encontrar um exterior a partir do qual possamos ver tudo e, no interior em que vivemos, a Internet rapidamente fica alagada por uma disputa bem típica dos maniqueísmos televisivos que nos dominam. A saber: "afinal, as lágrimas são sinceras ou são falsas?"
* Curiosos tempos. Ninguém pergunta se a pose hierática de um pivot de um qualquer telejornal é adequada ou não? Se é espontânea ou teatral? Se transforma uma notícia banal numa catástrofe, ou se recobre o conhecimento de uma catástrofe com o espectáculo da ignorância? Mas tantos, e de tantas origens, consideram que a identificação moralista de umas lágrimas é um assunto urgente e incontornável... Porque é que aceitamos a banalidade discursiva da televisão das "emoções" por qualquer preço? Que televisão é essa? Pois bem, a que leva um repórter a questionar um jogador de futebol com pérolas do género: "Que sentiu no momento do remate?..."
* Em boa verdade, tornámo-nos indiferentes à mais simples pluralidade do factor humano. Que é como quem diz: já nem conseguimos parar face ao carácter irredutível de cada ser humano. Repito: parar. Não sabemos reconhecer a mais descarnada evidência das lágrimas de Elsa Fornero. Ou seja: isto aconteceu. E entramos no imediato delírio: que significa aquilo?
* Porque é que não perguntamos o que significa ter os horários nobres afogados em telenovelas?
* Fazer política pode ser conferir sentido ao mundo, mas é também discutir as linguagens com que damos sentidos ao mundo.