Mês Kate Bush - 10
Ao longo deste mês especial dedicado a Kate Bush vamos apresentar aqui algumas visões pessoais sobre títulos da sua discografia. Hoje é André Gonçalves, jornalista e crítico do site C7nema quem apresenta o álbum de 2005 Aerial.
Tinham passado doze anos desde The Red Shoes - um álbum que a própria Kate Bush, perfeccionista como é, admitiu ter ficado insatisfeita com o resultado final. Neste período, Kate escolheu “esconder-se” da imprensa numa casa de campo em Berkshire, e teve o seu filho Bertie. A imprensa chamou-lhe uma “reclusa excêntrica”; o que é certo é que durante este tempo, o seu nome só raras vezes foi mencionado, quase sempre no contexto de rumores sobre um possível novo álbum. Mas a esperança de um novo trabalho era cada vez menor, e estes rumores foram sendo cada vez mais encarados como piadas de mau gosto.
E eis que em 2005 surge então o que parecia impossível. O lançamento de Aerial, um novo álbum de originais, duplo, dividido tal como Hounds of Love em duas secções : A Sea of Honey composto por temas mais “convencionais”, e não relacionados entre si; e A Sky of Honey, um conjunto de temas conceptuais que pretendem encapsular um dia, desde uma manhã até ao nascer do sol do dia seguinte. 16 faixas espalhadas por 2 CDs, para um total de 80 minutos.
A voz de Kate encontrava-se agora algo mudada, sobretudo para quem a reconhecia apenas dos tempos de Wuthering Heights e Babooshka. Era mais grave, mais suave, mais madura. O mesmo se pode aplicar a este álbum, que cruza vários elementos (jazz, música clássica, rock progressivo, soul,… , flamenco!) com uma maturidade de quem já experienciou muito neste meio. Mas não se pense que esta aparente suavidade tenha feito com que a criatividade e o génio louco de Kate Bush se tenha dissipado, pois Aerial está ainda assim repleto de exemplos de experimentalismo que só ela se poderia ter lembrado. Em π, parece piscar o olho a quem alguma vez pensou: “ela pode até ler a lista telefónica e soar magnífica”. Aqui não se trata da lista telefónica, mas trata-se de cantar o valor π até à centésima décima quinta casa decimal no refrão... Numa faixa como Aerial Tal, a sua voz é misturada com o barulho de pássaros, não sabendo ao certo onde acaba uma e onde começa outra. E na faixa-título, ri-se como nunca a vimos rir e deturpa as suas letras depois de perguntar “What kind of language is this?” num êxtase que encaixa na perfeição ao nascer de um novo dia.
De facto, Kate aparece aqui mais feliz e segura do que em qualquer período anterior da sua carreira. Aerial é assim uma autêntica prova de vitalidade, uma obra que não destoa em nada comparada com outros picos da sua carreira (como The Dreaming ou Hounds of Love), e teria sido uma das melhores despedidas de um artista, caso tivesse decidido abandonar aqui a sua carreira. (Felizmente para nós fãs, assim não aconteceu.)