1. Não vale a pena alimentarmos ilusões: no espaço audiovisual português, são muito escassas as possibilidades de acontecer qualquer coisa que implique transformações significativas no quadro geral em que vivem as televisões.
2. A "discussão" em torno do destino a dar a RTP aí está como esclarecedor sintoma. Não que não se tenham produzido algumas reflexões interessantíssimas, genuinamente empenhadas em não escamotear todas as questões que passam pela televisão, desde a economia à educação (sobre o nosso atraso conceptual neste campo, permito-me sugerir um texto de J.-M. Nobre Correia). Em todo o caso, observe-se o abismo argumentativo em que a questão caíu: encurralado no problema da "sobrevivência" dos canais existentes, o futuro da RTP surge frequentemente reduzido a um "deve & haver" que escamoteia o simples facto de as televisões serem entidades emissoras. Na prática, qualquer tecnocrata político, formado no vazio mais abstracto das teorias mais desumanizadas, fala de conteúdos como de um maná... Quando se trata de, realmente, problematiza-los e discuti-los, todos eles se remetem a um tecnocrático silêncio, politicamente nulo.
3. Sem esquecer importantes diferenças sociais e culturais, e também de meios financeiros, vale a pena dar uma vista de olhos ao balanço de actividade, recentemente apresentado pela PBS americana. Sublinhando também um princípio vital do seu trabalho. A saber: a capacidade e o empenho de fornecer conteúdos (hélas!) "qualitativamente diferentes das emissões comerciais, tratando os seus espectadores como cidadãos, não meros consumidores".
4. Não há volta a dar a esta premissa. Em televisão, é mesmo a partir dela que emergem todas as diferenças: cidadãos ou consumidores, that is the question.
5. Desgraçadamente para todos nós, temos a telenovela como modelo dominante dos horários nobres há mais de três décadas (desde 1977, portanto começando através da RTP). E um rol de mediocridades que desemboca na proliferação de reality shows mais ou menos derivados da miséria humana do Big Brother... Temos também uma classe política que, para além das excepções individuais, encara tudo isso como um dado "natural" que não se avalia nem questiona. Como é possível pensar o serviço público sem pensar tudo isso? Mais ainda: como é possível pensar todo o país omitindo a televisão que existe nas vísceras do seu quotidiano?