terça-feira, novembro 01, 2011

Shakespeare, segundo Carl Orff


Há discos que por vezes justificam uma atenção por características que não se centram essencialmente na música que em si encerram. E esse é, de certa forma, o caso de Ein Sommernachtstraum, obra de Carl Orff que acaba de conhecer edição em disco (em dois CD) pelo catálogo da CPO. A obra resultou de uma encomenda oficial, em 1938, da autarquia de Fraknfurt (ou seja, sob poder nazi) ao compositor, pedindo-lhe que trabalhasse uma versão de Sonho de uma Noite de Verão sem conotações judaicas (presentes não no texto de Shakespeare, mas na música que Felix Mendelssohn havia criado para uma das suas mais célebres adaptações). O compositor já trabalhava nesta ideia desde 1917, o que não impediu o surgimento de críticas posteriores ao facto de ter aceite o pedido oficial em 1938. A versão que surge agora em disco corresponde a uma revisão pelo próprio Carl Orff que data de 1964, destinada a assinalar então os 400 anos de Shakespeare. O disco segue a peça de fio a pavio, daí resultando uma presença protagonista do texto, relegando a música para os momentos em que aflorava em palco... Não é por nada, mas uma versão compactada da música de Orff ao serviço desta obra (e a preço mais de amigo) teria sido ideia não menos interessante. O todo (ou seja texto e música) vale todavia como registo histórico de uma expressão de manipulação que é característica de tantos regimes autoritários que vêm a arte não como uma manifestação da personalidade ou intenções de quem a cria, mas como ferramenta ao serviço de uma ideia de propaganda.