MARK ROTHKO Sem título, 1969 |
1. A discussão sobre o "serviço-público-de-televisão" passou a estar minada por uma avalancha de utópicas inanidades de onde, provavelmente, não é possível sair. Corre-se mesmo o risco de reforçar todos os lugares-comuns que, há muitos anos, fazem do conceito de serviço público uma mera arma de arremesso político-partidário.
2. Assim, é fácil verificar que se tem sobreposto a tudo e a todos uma espécie de crença determinista que aponta o serviço e o público como elementos a consagrar num "serviço universal" para um "público transparente e homogéneo". Na melhor das hipóteses, ainda há quem pergunte quem vai tutelar esse serviço. Na maior parte dos casos, promovem-se grandes debates (?) sobre questões ponderosas do género: deve passar-se uma ópera de Wagner que só interessa a uma "elite" ou escolher um concerto de Tony Carreira que vai dar boa "audiência"?...
3. Significa isto que ninguém quer enfrentar a questão, afinal linear, da responsabilidade. A saber: não há nenhuma maneira de o "todo" social gerar um qualquer conceito consistente de televisão, muito menos de serviço público. Na verdade, a televisão pressupõe, na origem, um elitismo de produção que é, antes do mais, económico — quem tem, ou vai ter, poder efectivo para emitir?
4. Dito de outro modo: a classe política tenta, há muitos anos, contornar um facto... incontornável: as entidades (eventualmente empresas) que assegurem a gestão/emissão das televisões terão sempre um estatuto de excepção no interior da dinâmica social. Trata-se de perguntar, então: que deveres (sociais) é legítimo esperar que tais entidades cumpram?
5. Durante décadas, a classe política portuguesa assistiu, em pose de genérica e medíocre passividade, ao esvaziamento dos valores nacionais de ficção (através da imposição brutal da telenovela como regime dominante de narrativa). Na sua quase totalidade, a mesma classe manteve-se inerte face a violentos atropelos das leis que defendem a dignidade individual e o direito à privacidade (consagrados pelo Big Brother e repetidos até à exaustão pelos seus derivados). Porque é que essa classe política terá, agora, capacidade, energia ou talento para gerar um qualquer conceito de serviço público? Acima de tudo: como poderá fazê-lo? A resposta é: não tem, não o fará — a não ser que comece por assumir a crítica das suas próprias relações com o imaginário televisivo.